A Inteligência Artificial já tem diversas aplicações importantes na medicina. O uso de software baseado em IA para apoio na medicina (AI-based software as a medical device (SaMD)) está cada vez mais difundido, e já há mais de 300 AI-SaMDs aprovados pela FDA anos Estados Unidos [1].
Diferentes métodos de treinamento de modelos de Machine Learning (aprendizado supervisionado, não supervisionado, semi-supervisionado, Reinforced Learning etc.) são empregados em função da natureza do problema que se quer resolver (regressão, classificação, clusterização, análise de anomalias etc.). Por exemplo, técnicas aprendizado de máquina como Deep Learning (DL) são particularmente úteis na análise (classificação) de imagens radiológicas, endoscópicas, ultra-sons, exames de pele etc., fornecendo apoio ao diagnóstico médico (Computer-aided detection/diagnosis (CAD)).
Já em 2015 em um desafio de “visão computacional” (ImageNet Large-Scale Visual Recognition Challenge (ILSVRC)), uma equipe da Microsoft demostrou um modelo treinado por Deep Learning que tinha acurácia no reconhecimento de imagens superior ao da visão humana (taxa de erro média inferior a 4.9%). De lá para cá as redes neurais evoluíram bastante e hoje há modelos de classificação extremamente precisos que podem detectar e assinalar automaticamente a localização de lesões ou outras anomalias suspeitas em imagens, para a devida avaliação do médico.
No caso da medicina de precisão, o propósito é oferecer tratamentos mais personalizados para cada paciente, em particular na oncologia (pesquisas sobre o câncer). A IA pode ajudar neste campo onde o volume de dados (informações genômicas, fatores ambientais, estilo de vida etc.) para análise é muito grande [2].
A IA também pode ser utilizada na medicina no processamento de linguagem natural (Natural Language Processing - NLP), capazes de “compreender” a linguagem natural e conversar em domínio aberto (sobre qualquer assunto), em especial com os chamados “grandes modelos” como o ChatGPT e o GPT-4 da OpenIA e outros de porte semelhante. Vale ressaltar que as “conversas” dos humanos com estes bots poderosos podem ser feitas em diversos idiomas, e que os serviços de tradução automática por IA em tempo real também já são muito rápidos e precisos.
Os poderosos modelos de NLP já disponíveis utilizam redes neurais treinadas com bilhões de parâmetros, mas não são infalíveis, de modo que sempre existe a preocupação com a correção das respostas, sobretudo se forem utilizadas como apoio em algum tipo de tomada de decisão. Neste sentido, vale destacar que estes modelos podem ser customizados para maior precisão em domínios específicos . De modo mais simples, também é possível fazer uma “curadoria” das fontes durante a própria sessão de interação com o modelo, sugerindo-se as fontes que devem ser usadas para a geração das respostas).
Com isso, é possível usufruir com mais segurança dos benefícios destas interações, dada a espantosa eficiência destes modelos para analisar registros médicos (aos quais tenha acesso), artigos científicos, conteúdos em websites especializados e outras fontes de dados não estruturadas com enorme velocidade, fazendo a extração e consolidação de informações para apoio em pesquisas por exemplo.
Ainda que seja requerida cautela com relação à confiabilidade das respostas obtidas (dada a quantidade de bobagens e fake news disponíveis na Internet, e em artigos e reportagens pseudocientíficas), como mencionado acima, é importante considerar o uso destes recursos. O enorme volume de informações em artigos científicos publicados diariamente torna muito difícil para um médico o estudo de mais do que alguns deles para se manter atualizado. Aqui, o poder de síntese na extração de conhecimento de fontes diversas já demostrado pelo ChatGPT e modelos similares pode se tornar uma ferramenta útil para os médicos e pesquisadores - com o devido cuidado na curadoria das fontes utilizadas nas respostas (PubMed, omim.org etc.).
IA e Ataxias
Tenho feito algumas experiências no uso do ChatGPT para obtenção de informações básica sobre diferentes tipos de ataxias hereditárias, com o cuidado de reforçar uma “curadoria de fontes confiáveis”. De modo geral, os resultados (respostas fornecidas pelo modelo para um conjunto pré-definido de perguntas sobre ataxias) foram bastante satisfatórios.
A análise de imagens de ressonâncias magnéticas de pacientes com ataxia como biomarcadores que possam indicar atrofias em certas estruturas ou outras anomalias também pode ser facilitada pelo uso da Inteligência Artificial, e aqui temos a importante contribuição do Dr. Thiago Rezende da UNICAMP, atualmente na Monash University (Austrália) que usou Deep Learning para criar um modelo da segmentação do cerebelo e suas estruturas, tornando mais confiável o uso de neuroimagens como biomarcadores em pacientes com ataxia de Friedreich. Ver também [3], [6].
Um outro exemplo de como a IA pode ajudar nas pesquisas para a cura de ataxias é o uso de modelos de Machine Learning (ML) para fazer predições da idade de início dos sintomas (AAO - Age At Onset) de pacientes com ataxias espinocerebelares como a SCA3. A predicação da AAO por algoritmos de ML e métodos de regressão linear pode fornecer referências importantes em ensaios clínicos, estudos de história natural de ataxias e outros estudos observacionais e pesquisas em busca de terapias e intervenções que visem a cura ou atraso de progressão da doença. Neste caso de uso específico de uso de algoritmos de regressão linear para predição da AAO o algoritmo XGBoost mostrou bons resultados de performance, indicando que esta técnica pode ser um apoio relevante como modelo de predição da idade de início dos sintomas na SCA3/MJD e outras doenças polyQ [4].
Há também aplicação para algoritmos de IA na análise de dados do andar típico dos pacientes com ataxias captados por sensores [5].
Referências
[1] Stan Benjamens et al
[2] Ryuji Hamamoto et al
[3] Emily Henderson
[4] Linliu Peng et al
[5] Oldrich Vysata et al
[6] Zhen Yang et al
[Post publicado em 06/04/2023 por Márcio Galvão]