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DOENÇAS DE POLIGLUTAMINAS (PolyQ)

Atualizado: 17 de out.

Última atualização em 28-08-2023 por Márcio Galvão.


Para melhor compreender as doenças de poliglutaminas, precisamos antes saber o que são nucleotídeos, que fazem parte da estrutura do DNA.


Os genes são feitos por DNA (ácido desoxirribonucleico), que são grandes moléculas (polímeros) que controlam a atividade celular e a hereditariedade, ou a transmissão de características genéticas dos seres vivos de uma geração para a outra. O DNA é formado por nucleotídeos.


Os nucleotídeos que formam o DNA possuem três componentes:

• Uma pentose (um tipo de açúcar, que no caso do DNA é a desoxirribose).

• Um ou mais grupos fosfato.

• Uma base nitrogenada.


As bases nitrogenadas que fazem parte da composição dos nucleotídeos que formam o DNA são a Timina (T), Adenina (A), Citosina (C) e a Guanina (G).


Estrutura do DNA


O DNA aparece na forma de molécula de fita dupla. Como se vê na figura abaixo, no DNA, os nucleotídeos espiralam-se ao redor de um eixo imaginário formando uma dupla hélice. Os blocos componentes do DNA são os nucleotídeos, formados por um fosfato e um açúcar + uma base nitrogenada (C, G, A, T). O fostafo e o açúcar formam a hélice dupla, e as bases dos nucleotídeos em cada fita se conectam (A sempre com T, C sempre com G) através de ligações químicas (ligações de Hidrogênio) como nos degraus de uma escada.

Fonte: [1]

Transcrição do DNA em RNA mensageiro (mRNA)


No núcleo das células, o DNA que forma cada gene é transcrito em RNA mensageiro (ácido ribonucleico), que também é um polímero composto por nucleotídeos. Porém, os nucleotídeos do RNA mensageiro são ligeiramente diferentes. A pentose (o açúcar) é a ribose, e as bases nitrogenadas são Adenina (A), Guanina (G), Citosina (C) e Uracila (U). Além disso, o RNA é composto por uma única fita.

Fonte: [2]


No processo de transcrição (Transcription), uma fita dupla do DNA de um determinado gene é usada como "molde" para a produção de uma molécula de RNA mensageiro. A transcrição ocorre no núcleo das células, e é necessária para que os genes consigam se expressar. Na transcrição os pares de nucleotídeos A-T do DNA dão origem a um único nucleotídeo U (Uracila) no RNA mensageiro, os pares G-C dão origem ao nucleotídeo C (Citosina), os pares C-G dão origem ao nucleotídeo G (Guanina) e os pares T-A dão origem ao nucleotídeo A (Adenina), e assim a estrutura de nucleotídeos duplos do DNA é convertida ou transcrita em uma fita única de nucleotídeos no RNA mensageiro.


Translação e codificação de proteínas


No genoma humano, aproximadamente 20.000 genes codificam diferentes proteínas, que são essenciais para a vida (há também genes que não codificam proteínas). Para cada um destes genes, o processo de codificação, ou síntese de proteínas a partir do seu RNA mensageiro é chamado translação.


Como podemos ver na ilustração seguinte, o RNA mensageiro resultante do processo de transcrição contém as informações para executar uma translação (Translation), que é o processo de codificar uma cadeia linear de aminoácidos, que por sua vez se "moldam" nas proteínas necessárias para a vida.

Fonte: [2]


Nota! Um gene que codifica proteínas tem uma região codificante (que efetivamente sintetiza a proteína) que é dividida em pequenos segmentos codificantes chamados exons, e também possui outras regiões não codificantes chamadas introns (ver A na figura seguinte). Entre a transcrição do DNA em RNA Mensageiro (ver B na figura) e a translação do RNA Mensageiro em proteínas (ver D) há um outro processo chamado Splicing (ver C), onde as partes não codificantes do RNA Mensageiro (introns) são removidas, preservando apenas os exons, gerando um RNA Mensageiro maduro e apto para a codificação da proteína. Este processo é ilustrado na figura seguinte.

Fonte: [1]


Doenças poliglutamínicas ou PolyQ


Agora que já temos pelo menos uma noção básica sobre nucleotídeos, DNA, RNA, transcrição e a translação ou síntese de proteínas, podemos abordar as doenças de poliglutaminas.


As chamadas doenças PolyQ têm como causa primária uma mutação genética onde há repetições excessivas de sequências de trinucleotídeos CAG no DNA de algum gene (ou seja, …CAG-CAG-CAG-CAG…). O trinucleotídeo CAG (Citosina-Adenina-Guanina) que se repete várias vezes codifica o aminoácido glutamina (Q). Por este motivo, a sequência excessiva de repetições CAG forma um grande número de glutaminas ou “poliglutamina”.


Mais precisamente, como estas repetições anormais de trinucleotídeos CAG existem no próprio DNA do gene, o RNA Mensageiro gerado por transcrição para este gene também terá estas repetições. Como vimos, na translação o RNA Mensageiro sintetiza os aminoácidos que formam proteínas. Como há uma repetição excessiva de aminoácidos glutamina no RNA Mensageiro, as proteínas geradas a partir deles também terão estas mesmas repetições excessivas de trinucleotídeos CAG, ou repetições anormais de glutaminas.


Estas proteínas anormais podem causar doenças, que são as "doenças de poliglutaminas" (a glutamina é identificada pela letra Q, daí o nome "PolyQ"). As doenças PolyQ incluem a Doença de Huntington (HD), a ataxia DRPLA (Dentatorubral-Pallidoluysian Atrophy), a atrofia muscular espinal e bulbar (Spinobulbar Muscular atrophy - SBMA), e seis tipos diferentes de ataxias espinocerebelares (SCA1, SCA2, SCA3, SCA6, SCA7 e SCA17). Todas estas doenças "PolyQ" têm transmissão autossômica dominante [4].


Além das doenças PolyQ causadas por expansões CAG, há outras doenças causadas por expansões de outros trinucleotídeos . Por exemplo, na ataxia espinocerebelar SCA8, a expansão é de repetições excessivas dos nucleotídeos CTG, e na Síndrome do X-frágil, a expansão é dos nucleotídeos CCG.


Para melhor compreender como uma expansão anormal de nucleotídeos pode causar doenças, vamos ver o caso da ataxia espinocerebelar tipo 3 (SCA3) como exemplo.


Ataxia espinocerebelar tipo 3 (SCA3) e expansões CAG


A ataxia SCA3 é uma das doenças PolyQ de maior prevalência. A doença ocorre quando o alelo (cópia) de um gene herdado de um dos pais contém uma mutação com uma quantidade anormal (acima de um certo limite) de repetições de trinucleotídios CAG (Citosina, Adenina, Guanina) no DNA.


Como vimos, as sequências de trinucleotídeos CAG codificam o aminoácido glutamina (Q). Assim, a cadeia de aminoácidos resultante do processo de translação terá um número excessivo de glutaminas (QQQQQQQ...). Isso fará com que a proteína criada a partir destes aminoácidos também tenha estas cadeias com muitas glutaminas (Q) e se torne mais longa que a proteína "normal" que seria codificada por um gene sem mutação.


O problema é que as proteínas mal formadas contendo estas regiões com várias glutaminas consecutivas (PolyQ, ou poliglutaminas) tendem a se acumular nos neurônios, formando agregados. Se a proteína ataxina tiver mais de 44 glutaminas, ela não será mais digerida normalmente e poderá se acumular dentro das células nervosas. Os neurônios não suportam este acúmulo anormal (tóxico) e passam a funcionar mal, ou podem mesmo morrer, o que faz surgir os sintomas da ataxia.


A figura seguinte mostra uma ilustração do processo, usando a ataxia SCA3 como exemplo.


Fonte: Adaptado de [3]


A natureza tem mecanismos de proteção para fazer uma "faxina" nas células e quebrar proteínas problemáticas ou desnecessárias que sejam encontradas. Porém, por algum motivo, estes mecanismos não funcionam bem com as proteínas contendo estes agregados de poliglutamina, que são insolúveis pelos métodos naturais.


Pela dificuldade do organismo em se livrar das proteínas defeituosas utilizando seus processos naturais de defesa, estas proteínas defeituosas se tornam tóxicas e podem causar disfunções em vários processos celulares vitais como a autofagia, o transporte axonal, o reparo de DNA e a proteostase, causando degeneração e morte dos neurônios do cerebelo (e de outras células do sistema nervoso).


Em função desta perda neuronal surgem os sintomas da ataxia. Em muitos casos, a perda neuronal pode ser observada no cerebelo e outras regiões em exames de imagem (ressonâncias magnéticas do encéfalo).


A figura seguinte mostra de forma resumida o processo de transcrição ou produção do RNA Mensageiro (mRNA) a partir do gene ATXN3.


No lado esquerdo da figura, vemos que o mRNA é exportado para fora do núcleo, e inicia-se o processo de translação (geração da proteína). No caso do exemplo, é codificada a proteína ATXN3, que tem o mesmo nome do gene. Em função das repetições CAG excessivas, a proteína formada tente a formar agregados e fragmentos que são tóxicos para as células. Estes fragmentos e agregados tóxicos podem afetar vários processos essenciais que ocorrem no interior das células.


Do lado direito, a figura mostra algumas abordagens que estão sendo pesquisadas para resolver este problema (por exemplo, terapias para impedir que as proteínas se agreguem, ou para silenciar o gene mutante e impedir que ele codifique as proteínas defeituosas, ou ainda estratégias para melhorar os processos celulares que são afetados etc.). Para mais informações, ver [3].

Fonte: [3]


Fontes:

[1] Principles of Neural Science, Sixth Edition. McGraw Hill. Eric R. Kandel, John D. Koester, Sarah H. Mack, Steven A. Siegelbaum





[Post publicado em 28/08/2023 por Márcio Galvão]

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