NAF webinar - Dr. Susan Pearlman
Comentários por Márcio Galvão (voluntário da ABAHE)
Contexto (notas de Márcio Galvão)
As células de Purkinje (CP) são neurônios INIBITÓRIOS importantes do cerebelo. Elas usam o neurotransmissor GABA (ácido gama-aminobutírico) para INIBIR a atividade de outros neurónios do cerebelo. Porém, as CP recebem sinais EXCITATÓRIOS de outros neurônios (fibras paralelas originadas das células granulares), e esta sinalização utiliza o neurotransmissor GLUTAMATO. Isso contribui para modular a ATIVIDADE ELÉTRICA das CPs, o que é importante na nossa coordenação motora. Assim, embora as CP sejam INIBIDORAS de outros neurônios, elas próprias são EXCITADAS ao receber GLUTAMATO, o que é importante para realizar suas funções no controle dos nossos movimentos.
O problema é que o EXCESSO DE GLUTAMATO é prejudicial para os neurônios. Pode causar EXCITO-TOXIDADE - uma ESTIMULAÇÃO EXCESSIVA, que é tóxica, resultando na morte do neurônio. Como vimos, as células de Purkinje inibem a ação de diversos outros neurônios. Se elas morrem, pode ocorrer um aumento descontrolado na atividade destes outros neurônios, o que não é bom.
Isso não é só no cerebelo. Essa "intoxicação de neurônios por excesso de glutamato" pode ocorrer em diversas partes do cérebro, estando associada com diferentes tipos de doenças neurológicas:
- Doença de Huntington
- Doença de Alzheimer
- Esclerose lateral amiotrófica (ELA)
- ATAXIAS ESPINOCEREBELARES (SCAs)
OU SEJA - Glutamato muito elevado pode causar morte neuronal em várias regiões do cérebro, e quando o cerebelo é afetado, podem surgir sintomas de ATAXIA (muita estimulação por glutamato -> entra muito cálcio na célula -> causa disfunção mitocondrial e ativação de enzimas que degradam a célula, estresse oxidativo e morte das células de Purkinje).
O que pode causar este excesso de glutamato?
- Redução na recaptação (reaproveitamento) de glutamato pelos astrócitos (glutamato - glutamina)
- Condições que causem o excesso de liberação de glutamato (ex AVC, estresse oxidativo, problemas metabólicos etc.)
A Ataxia é causa ou consequência do excesso de glutamato?
Pode ser uma ou outra, dependendo do subtipo e do mecanismo envolvido.
ATAXIA COMO CAUSA: Mutações genéticas em receptores de glutamato, deficiência na recaptação (reaproveitamento) do glutamato etc.
ATAXIA COMO CONSEQUÊNCIA: a morte de neurônios (por outras causas) pode levar ao acúmulo de glutamato. Nesse cenário, o excesso de glutamato não é a causa primária da ataxia, mas um efeito colateral da própria ataxia, que pode acelerar a progressão da doença!
1. O que é o Troriluzole?
É um regulador de glutamato, que é um neurotransmissor importante para a comunicação entre os neurônios. Em particular, as células de Purkinje (neurônios no cerebelo) são estimuladas por este neurotransmissor. Se houver desequilíbrio do glutamato, pode haver excesso de ativação, e isso pode ser tóxico para as células nervosas, que podem morrer, causando atrofia cerebelar e produzindo sintomas da ataxia. O Troliluzole reduz esta sinalização de glutamato (que pode ser neurotóxica se estiver excessiva).
2. Em quais ataxias o Troriluzole pode ajudar?
O Troriluzole é um medicamento experimental desenvolvido para o tratamento de ataxias espinocerebelares (SCAs), um grupo de doenças neurodegenerativas hereditárias que afetam a coordenação motora. Não é uma cura, mas espera-se que o Troriluzole possa trazer benefícios para uma ampla gama de ataxias espinocerebelares. A melhor resposta parece ser para a ataxia SCA3, mas o remédio parece ajudar diferentes tipos de SCAs. Em um estudo de fase 3, o tratamento com Troriluzole resultou em uma desaceleração de 50-70% na progressão da doença em pacientes com diferentes genótipos de SCA, proporcionando anos adicionais de independência aos pacientes.
Com base nesses resultados positivos, a Biohaven Pharmaceuticals planeja submeter uma Solicitação de Novo Medicamento à FDA para o tratamento de todos os 50 tipos conhecidos até agora de ataxias espinocerebelares (SCAs).
Para ataxias adquridas talvez o Troriluzole possa ajudar também, já que o remédio age na regulação de glutamato para as células de Purkinje.
Idem para a Ataxia de Friedreich. Embora seja uma doença mitocondrial, talvez os pacientes possam se beneficiar da proteção das células de Purkinje pelo Troriluzole (no caso de excesso de sinalização glutamatérgica).
3. Como é a apresentação do remédio?
Droga oral, toma-se um comprimido por dia. A dose recomendada é de 200 mg/dia (nos ensaios clínicos se começa com 140 mg/dia no primeiro mês, depois aumenta para 200 mg/dia). Pode tomar o remédio com ou sem alimentos.
4. Qual deve ser o custo?
AINDA NÃO SE SABE QUANTO VAI CUSTAR NOS USA, o preço no mercao americano só será conhecido depois que a FDA aprovar o remédio para comercialização no mercado americano. Mas levando-se em conta o custo de lançamento de drogas para doenças raras, o custo anual do Troriluzole pode ser elevado (dezenas de milhares de dólares por ano).
5. Quais são os efeitos colaterais?
Espera-se que o Troriluzole seja melhor absorvido que o Riluzole (princípio ativo) e cause menos efeitos colaterais. Os efeitos colaterais possíveis do Troriluzole são:
- Dor de cabeça
- Náuseas e vômitos
- Desconforto gastrointestinal.
- Tonturas, sonolência, fadiga
- Raramente reações alérgicas
- Alterar o nível de algumas enzimas no fígado (toxidade)
Cuidados adicionais - Evitar gravidez e doar sangue durante tratamento com Troriluzole (até haver mais testes sobre efeitos na gravidez).
6. Quais sintomas melhoram?
Melhorou caminhar e falar.
Reduziu risco de quedas.
Pareceu atrasar a progressão de sintomas em 50%.
Não melhorou tontura e vertigens.
Nota! A Biohaven está organizando um novo estudo (EAP - programa de acesso expandido) e recrutando pacientes em vários sites nos USA e Europa.
7. Quando será aprovado para venda nos USA?
Espera-se que seja aprovado pela FDA em 2025, mas ninguém sabe em que mês.
8. Se aprovado pela FDA, quando estará disponível fora dos USA?
Depende do país, cada um tem seu processo regulatório. Para venda no Brasil, uma vez aprovado pela FDA o Troriluzole terá que ser aprovado pela ANVISA.
Nota! Não se sabe exatamente para quais SCAs a FDA vai aprovar o remédio (caso aprove).
Comentários (Marcio Galvão)
O uso do medicamento é indicado em pacientes com suspeita de problemas na regulação do glutamato, já que é isso que o remédio resolve. Tomar Troriluzole sem ter problemas de excesso de glutamato pode levar a uma regulação inadequada do neurotransmissor, o que pode causar efeitos colaterais importantes.
NA MINHA OPINIÃO, o Troriluzole só deve ser prescrito pelo médico após uma avaliação criteriosa, considerando os benefícios potenciais e os riscos para cada paciente (como deve ser aliás para qualquer medicamento). Para quem iniciar o tratamento, o monitoramento contínuo é essencial para garantir segurança e eficácia.
Como saber se um paciente específico tem ou não problema de excesso de glutamato para prescrever este medicamento?
Determinar se um paciente com ataxia apresenta um problema de excesso de glutamato (RISCO DE excito-toxicidade) é difícil, dado que o glutamato está envolvido na sinalização do sistema nervoso central inteiro. Para isso seria necessário combinar uma avaliação clínica detalhada com exames laboratoriais e de imagem avançados.
- Alguns subtipos de SCA estão associados a MUTAÇÕES GENÉTICAS que causam disfunções na sinalização glutamatérgica. POR EXEMPLO, SCA1, SCA2, SCA6, SCA12.
- NO CASO DA SCA3, embora a SCA3 não seja diretamente causada por uma disfunção do nível de glutamato, há evidências de que o glutamato desempenha um papel relevante na patologia da doença, especialmente no que diz respeito à degeneração neuronal e à excitotoxicidade.
- Exame de imagem - Espectroscopia por Ressonância Magnética (MRS) - Permite medir níveis de glutamato no cerebelo (e outras partes do cérebro).
- PET (Tomografia por Emissão de Pósitrons) usando traçadores específicos para receptores de glutamato, para ajudar a identificar hiperatividade.
- Biomarcadores: Níveis de glutamato no líquido cefalorraquidiano (LCR). Outro marcador seria o estresse oxidativo (formas reativas de oxigênio) podem ser usados como indicadores indiretos de excesso de glutamato.