Em um webinar recente organizado pela NAF (National Ataxia Foundation) a Dra. Hayley McLouglin informou que em testes de laboratório (pré-clínicos) algumas técnicas de silenciamento genético já conseguiram curar totalmente a ataxia SCA3 (DMJ) em ratinhos (mouse models).
Vale ressaltar que o uso de técnicas baseadas em RNA que editam ou desligam genes mutantes em seres humanos - resolvendo diretamente a causa de diversas doenças genéticas- ainda requer muitos estudos (qual é a dosagem adequada? Frequência da aplicação? Toxidade? Etc.), e ainda deve demorar alguns anos até que estas terapias estejam disponíveis, mas os estudos estão avançando rapidamente e são muito promissores.
Terapias ASO
Sobre as terapias ASO (AON - Antisense Oligonucleotides) voltadas para a ataxia SCA3 (DMJ) a Dra. McLouglin mencionou de forma explícita os “Gapmer ASOs”, que conseguem “cortar” o gene mutante ATXN3 e assim impedem a formação da proteína ataxina-3 tóxica, e o “splice-switching ASO”, que exclui apenas a repetição CAG excessiva (acima de 60 repetições) no exon 10 do gene ATXN3, que codifica as proteínas tóxicas que causam a ataxia.
Já existem testes de terapias ASO em fase clínica, ou seja, testes em humanos, que constam no pipeline da NAF para a SCA3. Ver BIIB132 (BIOGEN) - terapia específica para a SCA3 que segue a abordagem de “redução do ATXN3” - silenciamento genético do gene que codifica a proteína tóxica - baseada em ASO /AON (oligonucleotídeo antisenso). Está atualmente em fase 1 (dose baixa). A Dra Susan Perlman informou em um outro webinar que a Biogen vai rever alguns de seus protocolos pois a FDA tem algumas preocupações de segurança. Outra questão é a forma de entrega dos ASOs, que por hora é feita por injeção intratecal para poder superar a barreira hematoencefálica. Ver https://clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT05160558
Interferência de RNA (RNAi)
Uma das técnicas de silenciamento genético é a interferência de RNA (RNAi), capaz de regular a expressividade dos genes no interior das células. O processo usa pequenas moléculas de RNA chamadas “RNA de interferência” (siRNA), que se ligam em pontos específicos do RNA mensageiro (mRNA) produzido pelo gene que se deseja silenciar. Isso impede que o gene codifique proteínas, ou seja, reduz a sua “expressividade”. No caso de genes com mutações que codificam proteínas defeituosas que podem causar doenças (caso de muitos tipo de ataxias e várias outras doenças neurológicas) a técnica evita que o gene produza as proteínas tóxicas para as células. Embora bastante promissora, nesta técnica também há ainda desafios a serem superados, como a forma mais eficaz de entregar as moléculas siRNA para as células alvo, e a preocupação com efeitos colaterais.
shRNA
No caso da ataxia SCA3 (DMJ), outra terapia genética baseada em RNA considerada promissora para a SCA3 que a Dra. McLouglin citou no webinar é o uso de shRNA (short hairpin RNA), tendo como alvo o gene mutante ATXN3 usando partículas lentivirais como vetores. Aqui também mais estudos são necessários pois há preocupações de segurança (resposta inflamatória, possibilidade de efeitos colaterais oncogênicos (câncer) etc.
CRISPR/Cas9
Ainda usando a ataxia SCA3 como exemplo (embora estas técnicas possam ser usadas em inúmeras outras doenças), há também a tecnologia CRISPR/Cas9, que *já foi utilizada em laboratório para editar diretamente o gene ATXN3* e remover a expansão PolyQ (a expansão CAG excessiva, com mais de 60 repetições, que causa a ataxia), mas ainda não há resultados publicados nem mesmo em ratinhos (mouse models).
Sobre isso a Dra. McLouglin alertou que “ainda devem demorar muitos anos” até que a técnica CRISPR/Cas9 esteja efetivamente disponível como terapia para tratar pacientes humanos, dado que não se pode simplesmente “eliminar” (silenciar) completamente a produção da proteína ataxina3, que existe naturalmente no corpo humano e é necessária para a vida. Os “alvos” da edição genética devem ser portanto “apenas os genes com mutação” que podem codificar proteínas tóxicas, e não todos os genes que codificam a ataxina3 (ou outra proteína qualquer).
O SUS vai pagar por estas terapias?
As terapias genéticas acima mencionadas são muito promissoras, mas é preciso fazer muitos testes e estudos ainda para assegurar a segurança destes procedimentos. Resolvidas as questões técnicas, uma vez que pelo menos uma destas terapias genéticas tenha sido aprovada pela FDA (e ANVISA no caso do Brasil), há o problema do custo. Este será um novo desafio - como tornar acessível pelo SUS para quem precisar um tratamento genético que poderá custar literalmente milhões de Reais.
Assim, depois da aprovação segue-se a árdua batalha pelo acesso gratuito à terapia pelo SUS, o que envolve a recomendação por parte da CONITEC, apesar da própria CONITEC ter sugerido ao Ministério da Saúde do governo anterior a aprovação do “limiar de custos e efetividade” que impõe limites aos custos de medicamentos e terapias que o SUS pode pagar - e estes limites são muito inferiores ao valor necessário para muitos tratamentos e remédios que podem ser a única esperança para pacientes com doenças raras, câncer e outras enfermidades graves.
Enfim, depois que a ciência entregar a solução, será preciso muita mobilização social para torná-la acessível aos brasileiros. Mas uma coisa de cada vez - o momento agora é de apoiar a ciência e os pesquisadores.
Referências “RNA-based Therapeutics for Neurological Diseases” por Karen Anthony, RNA Biology 2022 vol 19 N 1, 176-190. https://www.tandfonline.com/.../15476286.2021.2021650...& role=button
“Research and Treatment Development for SCA3/DMJ”, Dr. Hayley McLouglin, University of Michigan
[Post publicado em 10/03/2023 por Márcio Galvão]