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Webinar de Janeiro 2023 com Dra. Susan Perlman ("Ask The Ataxia Expert")



Ask the ataxia Expert

Resumo das anotações do webinar de janeiro de 2023 com a Dra. Susan Perlman, ("Ask the ataxia expert"), feitas por Márcio Galvão. Compartilhado em boa fé - posso ter feito erros de tradução ou de interpretação.


1 - Sobre progressão das ataxias


Ataxias em geral (sejam genéticas ou não) em geral progridem lentamente. Durante a progressão é normal que os pacientes tenham dias melhores e dias piores, alguns sintomas aparecem em um dia, no outro podem não aparecer etc. Ainda assim existe a progressão. Se a pessoa sente que houve uma melhora geral por um período mais longo, isso não significa que a ataxia “regrediu”, pode ser efeito de fisioterapia, ou algum novo medicamento etc.


É importante ter em mente que as Ataxias *não hereditárias* que podem ser adquiridas por causas diversas, podem MELHORAR e os sintomas podem até desaparecer totalmente se o fator externo que provoca a ataxia for controlado. Por exemplo, se a pessoa sabe que a sua ataxia é causada por intolerância ao glúten, ficará bem se evitar alimentos que contenham glúten. Por isso é importante buscar o diagnóstico, mesmo que em alguns casos seja bastante difícil.


Outras ataxias adquiridas também podem “regredir”. Por exemplo, uma ataxia causada por uma infecção deve melhorar ou desaparecer após a infecção ser tratada, pois a causa foi resolvida. A pessoa também pode desenvolver sintomas de ataxia (desequilíbrio, má coordenação) após um pequeno AVC, e com o tratamento e a recuperação em alguns meses estes sintomas provavelmente serão reduzidos em intensidade.


2 - Testes genéticos inconclusivos


Há testes genéticos para ataxias que têm uma faixa “anormal” que dá certeza de que há mutação no gene que vai causar a doença, mas o resultado de testes para algumas ataxias pode ter também uma “área cinza” (borderline zone) onde o gene não é perfeitamente normal, mas também não é claramente anormal. Se o resultado do teste genético cai nesta faixa a pessoa poderá ter problemas de saúde ou não, dependendo de outros fatores genéticos, ambiente, estilo de vida etc. Também é possível que a pessoa com resultado genético nesta “zona cinzenta” não tenha problemas, mas passe o gene para o filho, e neste processo a mutação do gene pode se agravar e cair na faixa “anormal” e assim o filho vai desenvolver a ataxia mesmo que os pais não tenham tido ele próprios qualquer sintoma.


Alguns testes genéticos atuais são mais abrangentes do que os feitos alguns anos atrás. A Dra Susan Perlman diz que não é necessário colher sangue novamente, se a empresa que fez o teste tiver o DNA ainda armazenado basta pedir a “reanálise”, e quem teve um teste inconclusivo no passado possa obter um diagnóstico mais preciso com um teste atualizado, que seja capaz de pegar novos fatores genéticos ou pelo menos forneça uma interpretação mais completa e atualizada dos resultados (em relação ao teste anterior).


3 - Sobre terapias de células tronco (stem cell therapies)


A Dra Perlman explica que estes estudos já estão em andamento por vários anos. Inicialmente se pensava ser possível usar células tronco externas para “substituir” células nervosas danificadas (por exemplo, em derrames cerebrais ou lesões da coluna). Este tipo de pesquisa ainda está em andamento, e no estado atual não é claro se estão sendo bem sucedidas (quando se injeta células tronco exógenas (de outras origens) ainda não está claro se elas de fato conseguem substituir células da pessoa que estejam danificadas). Uma outra abordagem que parece mais promissora é aplicar tratamentos que possam estimular as células tronco que existem no cérebro do próprio paciente a se desenvolver e dar origem a novos neurônios, potencialmente substituindo células nervosas danificadas por fatores genéticos (como ocorre nas ataxias hereditárias) ou por outras causas. Neste momento há laboratórios trabalhando nesta linha de pesquisa, em busca de tratamentos para ataxias. Uma boa notícia é que os estudos iniciais de terapias baseadas em células tronco para Ataxias não demonstraram nenhum efeito colateral severo, as pesquisas são promissoras mas ainda é preciso fazer mais testes e estudos dada a complexidade do tema.


Segundo a Dra Perlman o único lado “ruim” de participar de um ensaio clínico de células tronco é que isso poderá impedir o paciente de participar de outros estudos clínicos de outros medicamentos, pois como as células tronco estão no organismo da pessoa elas poderão afetar os resultados de outros ensaios. O mesmo ocorre com terapias genéticas.


[Nota MG] No pipeline de tratamentos em andamento para a SCA3 há uma terapia de células tronco da empresa Steminent Biotherapeutics. O remédio se chama Stemchymal® e embora os estudos clínicos estejam voltados para a SCA2 e SCA3 o tratamento (se funcionar) tem potencial para ser efetivo em outras ataxias também.


4 - Tontura ao mover a cabeça


Muitos pacientes com ataxia ficam tontos quando movem (giram) a cabeça. A Dra Perlman explica que movimentos com os olhos (olhar para os lados, ou para cima e para baixo) e de mover a cabeça podem de fato causar tonturas. Isso pode decorrer de problemas no “núcleo vestibular central”, que está relacionado ao cerebelo. Esta é uma tontura de causa neurológica central, que é diferente de problemas de tonturas relacionados ao ouvido interno, e pode se manifestar até sem qualquer tipo de movimento de olhos ou cabeça. Esta condição pode ser difícil de estabilizar e tratar e pode ser mais desabilitadora em termos de manter o equilíbrio do que o desequilíbrio “tradicional” causado pela ataxia em si.


5 - Perguntas sobre a SCA3 (DMJ)


[Nota MG] Muitas das perguntas seguintes de 5.1 até 5.6 e suas respostas pela Dra Perlman se aplicam para diversos outros tipos de ataxias além da SCA3


5.1 - Existe a possibilidade de ter o diagnóstico que comprova a mutação no gene ATXN3 na faixa já de “doença” (número de repetições CAG acima de um limite) e não ficar doente?


Dra Perlman diz que não. Se a pessoa tem a mutação genética na faixa considerada patológica ela vai desenvolver os sintomas mais cedo ou mais tarde na vida.


5.2 - Aspectos psicológicos da SCA3


Já é sabido atualmente que o cerebelo não está envolvido apenas equilíbrio e coordenação motora, mas tem papel importante também na velocidade da memória e pensamento, execução de várias tarefas simultâneas (multitasking) e na *coordenação de respostas emocionais* . Assim, embora na SCA3 não exista um risco claro de demência (como pode haver em outras ataxias), ou mesmo de transtorno bipolar, é possível que o paciente tenha irritação, ansiedade, tendência para a depressão e outras dificuldades afetivas por conta da disfunção cerebelar causada pela ataxia. Existem tratamentos para estes sintomas de mudanças emocionais, logo é importante discutir com o neurologista caso estejam presentes. Idem se a pessoa detectar mudanças cognitivas (na memória ou velocidade de pensamento).


5.3 - Remédios para dormir e estimulantes durante o dia


Muitas pessoas SEM ataxia tomam remédios para reduzir ansiedade e dormir de noite, e tomam mais remédios estimulantes para ficarem mais atentos e foçados durante o dia.


Embora existam pessoas que de fato têm necessidade médica, estes remédios devem ser evitados se possível por pessoas com ou sem ataxia pois podem viciar e provocar dependência. Por exemplo usar Clonazepam de forma contínua pode fazer o remédio ficar menos efetivo, o corpo se acostuma. Se a pessoa aumentar a dose, poderá sofrer efeitos colaterais. Assim toda medicação para dormir deve ser usada com grande cautela.


5.4 - Fadiga na SCA3


A fadiga é um sintoma muito comum não só na SCA3 mas também em outras ataxias. Mesmo dormindo bem de noite o paciente com ataxia pode sentir fadiga durante o dia. Há algumas estratégias para lidar com isso. Espaçar mais as atividades, fazer exercícios para ganhar resistência, e alguns usam estimulantes e suplementos (como a creatina) para ter energia para as tarefas diárias. Além disso, descansar quando precisar.


5.5 - Impacto na saúde de parentes e cuidadores de pessoas com SCA3


Dra Perlman afirmou que é sabido que cuidadores e parentes de entes queridos com ataxia podem ter alto nível de estresse (burnout). Há grupos de suporte específicos para parentes e cuidadores que podem ajudar, bem como buscar aconselhamento psicológico.


5.6 - Testes genéticos pré-natais


Alguém perguntou sobre testes genéticos pré-natais para seleção de embriões saudáveis e fazer fertilização in vitro para evitar que filhos de pessoas com ataxia herdem a doença. A Dra Perlman informou que a tecnologia e a cobertura de seguro para este procedimento evoluiu nos últimos 10 anos e é uma opção que um casal onde um tem diagnóstico de SCA3 pode discutir com seu neurologista, e depois com outros médicos (ginecologista etc.) pois é uma forma legítima de casais com ataxia terem filhos sem perpetuar a doença (interrompendo a transmissão vertical).


6 - Quais medicamentos em testes para ataxias são promissores?


Alguém perguntou para a Dra Perlman sobre quais testes de medicamentos para ataxias em andamento ela acredita que sejam mais promissores.


A Dra Perlman explicou que o desenvolvimento de um remédio bem sucedido depende muito do agente, e as drogas atualmente em estudo são muito mais promissoras e têm maior chance de sucesso do que as que eram testadas 10 anos atrás. Há diferentes abordagens em paralelo em busca de remédios eficazes e seguros para ataxias.


Alguns são agentes anti-inflamatórios. Já houve alguns ensaios clínicos nesta abordagem mas até agora não foram muito bem sucedidos.


Há também terapias que miram nas proteínas mal formadas e tóxicas para as células nervosas (como a ataxina 3 codificada pelo gene ATXN3 no caso da SCA3), e que causam a doença.


Como exemplos para a MSC (atrofia de múltiplos sistemas) com potencial para ajudar também em várias ataxias genéticas a Dra Perlman mencionou o “ensaio da Lundbeck” (The Amulet Study) para MSA (multiple system atrophy) que deve iniciar o recrutamento em breve. A Dra Perlman também mencionou o estudo “Takeda” (the Takeda trial) que já iniciou recrutamento.


[Nota MG] Ver https://newsroom.lundbeckus.com/news-release/2021/lundbeck-launches-phase-ii-study-potential-new-treatment-of-msa


BHV-4157 - TRORILUZOLE (Biohaven Pharmaceuticals)

A Dra Perlman também falou sobre o Troriluzole que está no pipeline da NAF para a SCA3 e diversas outras ataxias (SCA1, SCA2, SCA3, SCA6, SCA7, SCA8, SCA10). A Biohaven está organizando os dados finais de suas análises para envio para a FDA, e deve solicitar aprovação para vender o Troriluzole nos próximos meses (espera-se que isso ocorra ainda este ano, mas não há mais informações disponíveis até que a Biohaven se manifeste publicamente sobre o assunto).


[Nota MG] Ver https://clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT03701399


BIIB132 (BIOGEN)

Esta promissora terapia específica para a SCA3 também pode ser monitorada no pipeline da NAF e segue a abordagem de “redução do ATXN3” - silenciamento genético do gene que codifica a proteína tóxica - e é baseada em ASO /AON (oligonucleotídeo antisenso). Está atualmente em fase 1 (dose baixa). A Dra Perlman informou que a Biogen vai rever alguns de seus protocolos pois a FDA tem algumas preocupações de segurança.


[Nota MG] Ver https://clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT05160558


SLS-005 - TREHALOSE (Seelos Therapeutics)

Estudo STRIDES para a SCA3 baseado na injeção intravenosa de Trehalose, um polissacarídeo que tem a propriedade de “quebrar” a proteína anormal (ataxina-3) que intoxica os neurônios.


[Nota MG] Ver https://clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT05490563


7 - Como fazer diagnóstico de ataxia?


A Dra Perlman explica que o diagnóstico primário é por exame clínico dos sintomas. Se a pessoa tem dificuldades de equilíbrio e outros sintomas típicos (má coordenação) relacionados ao cerebelo, então é possível fazer um diagnóstico suportado por uma ressonância do encéfalo (MRI) que pode mostrar atrofia ou alterações no cerebelo.


A partir daí, para saber o tipo de ataxia, e para ter confirmação do diagnóstico, é preciso fazer teste genético (exame de DNA) para tentar localizar mutação em genes que podem causar os diferentes tipos de ataxias *de causa genética*.


[Nota MG] Ter em mente que há ataxias hereditárias cujo gene ainda não foi identificado(a Dra Perlman estima que pelo menos um terço das ataxias está neste grupo) e portanto não podem ainda ser descobertas por testes genéticos específicos, e que há também ataxias adquiridas que não têm causa genética (ex. ataxia causada por danos ao cerebelo em um acidente de automóvel) e nestes casos também o teste genético não é útil, a não ser para eliminar possibilidades e facilitar diagnósticos diferenciais.


8 - Sobre o Dalfanpridine


Uma pessoa com EA2 perguntou sobre o Dalfanpridine, medicamentos para esclerose múltipla, doença que tem muitos sintomas semelhantes aos das ataxias, e sobre o medicamento relacionado 4-AP (4-aminopyridine).


A Dra Perlman explicou que estes remédios estão disponíveis já faz muitos anos. O Dalfanpridine é o agente aprovado pela FDA. Há alguma preocupação com potenciais efeitos colaterais sobretudo em caso de overdose acidental, como o risco de convulsões, mas se a pessoa ficar nos limites da dosagem segura (não passar de 20 miligramas por dia) o risco de convulsão e outros efeitos colaterais é mínimo. Naturalmente se a pessoa já tem risco de convulsões por outros motivos deve ter muita cautela.


[Nota MG] O Dalfanpridine melhora o equilíbrio ao andar. Está na classe de medicamentos conhecidos como “bloqueadores do canal de potássio” (potassium channel blockers) que funcionam fortalecendo os sinais enviados pelo cérebro através dos nervos que foram danificados na esclerose múltipla (MS). Apesar de ser um remédio para MS é também utilizado por muitas pessoas com ataxias e há inclusive grupos de suporte no Facebook específicos para esta discussão. Ver https://medlineplus.gov/druginfo/meds/a611005.html


9 - Há algum remédio em aprovação pela FDA e que deve ser liberado em breve para ataxias?


Sim. O OMAV (Omaveloxolone) da farmacêutica Reata está em vias finais de aprovação pela FDA - esperada ainda em fevereiro de 2023 - e deve ser (é o que todos desejamos) aprovado em breve para venda comercial. Este medicamento é específico para a ataxia de Friedreich e age melhorando a função mitocondrial de produção de energia que ocorre no interior das células.


A Dra Perlman acentuou o excelente trabalho que a Reata Pharmaceutical está fazendo junto à FDA para demonstrar benefícios e segurança do OMAV e acelerar ao máximo o tempo até a aprovação desta droga, e que este é um modelo que as outras farmacêuticas deveriam tentar seguir.


[Nota MG] Houve ensaio clínico do OMAV no Brasil também, como parte do estudo global, e devemos muito à @Amalia Maranhão presidente da Abahe por seu engajamento neste assunto, que contou com a participação de brilhantes pesquisadores brasileiros.

Ver https://movementdisorders.onlinelibrary.wiley.com/doi/pdf/10.1002/mds.29286

Ver https://www.reatapharma.com/investors/news/news-details/2021/Reata-Pharmaceuticals-Receives-Fast-Track-Designation-From-the-FDA-for-Omaveloxolone-for-the-Treatment-of-Friedreichs-Ataxia/default.aspx


10 - Tipos de dores que podem surgir na SCA3


A Dra Perlman informa que tipicamente as ataxias cerebelares “puras” em si não causam dores. Entretanto, na SCA3 há múltiplas conexões fora do cerebelo e outros caminhos nervosos que podem ser afetados, e nestes sim podem ser causadas dores. Por exemplo, a SCA3 (e outras ataxias) pode envolver nervos periféricos, causando neuropatias periféricas que podem ser dolorosas. Em geral, estas dores neuropáticas periféricas podem ser tratadas com Gabapentin e vários outros medicamentos.


O envolvimento de nervos periféricos também pode causar espasmos musculares, que podem ocorrer de noite durante o sono, ou durante o dia, e há uma longa lista de medicamentos que podem ser prescritos para dar alívio a esta condição. Já o envolvimento de outros neurônios motores por causa da ataxia também pode causar espasmos que podem ser tratados com Baclofeno, Tizanidina e outros medicamentos e técnicas de tratamento.


A Dra Perlman ensina que o gânglio basal é uma área separada do cérebro que também tem relação com os nossos movimentos e que está envolvida na doença de Parkinson por exemplo. Em alguns tipos de ataxias (especialmente as ataxias genéticas) e na MSA (atrofia de múltiplos sistemas) podem ocorrer problemas no funcionamento do gânglio basal, o que pode causar um tipo de disfunção muscular chamado “distonia”. A distonia pode ser dolorosa, e pode ser tratada com uma variedade de medicamentos, e também com injeções de Botox.


A “dor” é algo que na opinião da Dra. Perlman deve ser tratada diretamente independentemente de sua causa (relacionada ou não com ataxia, ou se a ataxia é genética ou não), e há medicamentos alternativos aos opioides e narcóticos, que devem ser evitados se possível.


11 - Síndrome da pernas inquietas


É sabido que em ataxias episódicas e também nas ataxias hereditárias (genéticas) podem ocorrer movimentos e sensações estranhos nas pernas (e também nos braços). Não é uma dor, é como se algo estivesse “subindo” pela perna ou braço (“crawling”), ou um movimento involuntário.


A Dra. Perlman alertou que algumas destas sensações podem ser efeitos colaterais de medicamentos, o que deve ser investigado. Porém, há de fato possibilidade de quem tem ataxia desenvolver uma condição chamada “síndrome das pernas inquietas” (restless legs), que normalmente ocorre nas pernas e de noite, mas pode acontecer em outras partes do corpo e durante o dia também. Em geral estes sintomas são tratados com medicamentos que aumentam o nível de dopamina (como a Levodopa). Se estes sintomas surgirem, a pessoa deve discutir com o neurologista em busca da melhor abordagem para tratar.


12 - Ataxia por Mutação no gene SYNE1


A Dra Perlman explica que este tipo de ataxia é recessiva, ou seja, requer que a pessoa herde duas cópias defeituosas do gene (uma do pai, outra da mãe) para que manifeste sintomas. Diferentemente do que tipicamente ocorre em outras desordens recessivas (como a ataxia de Friedreich) na SYNE1 os sintomas podem surgir em idades mais avançadas. Há várias mudanças que podem ocorrer (mutações) que “desabilitam” o gene SYNE1, causando diferentes doenças, inclusive um tipo de ataxia.


Para maiores de 18 anos que tenham risco de terem herdado os genes mutantes (por exemplo, o irmão de alguém que tem diagnóstico) é recomendável fazer o teste mesmo que esteja assintomático. Também é importante para quem tem casos na família- mesmo sem sintomas - fazer teste para verificar se não é portador (“carrier”) do gene mutante, pois isso pode embasar decisões sobre ter ou não filhos, ou buscar aconselhamento genético para ter filhos sem risco de transmissão da doença.


[Nota MG] A pergunta se refere a um tipo de ataxia (ARCA1) de progressão lenta, com transmissão autossômica recessiva causada por mutação no gene SYNE1, que surge na idade adulta. Há outras doenças que também podem decorrer da deficiência de SYNE1, em crianças, como a AMC (arthrogryposis multiplex congenita). Ver https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK1379/


13 - Como o médico pode diferenciar ataxia de doença de Parkinson?


Esta pergunta foi feita por uma pessoa cuja mãe tinha a doença de Parkinson, e por conta disso ele também foi “diagnosticado” com doença de Parkinson e foi tratado com Levodopa, mas o tratamento não foi efetivo.


A Dra Perlman explicou que de fato há alguns tipos de ataxias que podem se apresentar como doença de Parkinson. Por exemplo, dependendo das mutações genéticas, é possível ter sintomas típicos de Parkinson com a ataxia espinocerebelar tipo 2 (SCA2), sem que a ataxia em si seja óbvia.

Nestes casos só os testes genéticos apropriados poderão confirmar se a pessoa tem a doença de Parkinson ou alguma ataxia que se apresenta como a doença de Parkinson.


14 - Se uma pessoa tem alergia a algum medicamento, há alguma forma de tomar o medicamento sem ter uma reação alérgica?


A Dra Perlman explica que depende de quão severa a alergia é. Ela citou o caso de pacientes que tinham reação leve (coceira) e que tomando anti-histaminicos ou outras drogas contra alergia conseguiam tomar continuamente remédios para os quais tinham alergia que tinham sido prescritos para algum sintoma da ataxia. Se a reação alérgica for severa (por exemplo, causar dificuldades para respirar, ou causar choque anafilático) então deve-se evitar o medicamento (e todos os que forem da mesma classe).


15 - Tossir e limpar constantemente a garganta


Uma paciente alegou que está constantemente limpando a garganta. A Dra Perlman informou que isso é uma situação comum na ataxia, que pode afetar a coordenação dos músculos relacionados com a deglutição (engolir).


Todas as pessoas produzem saliva, secreções nasais etc. que engolem sem sequer pensar nisso para manter a garganta limpa. Nos pacientes que têm ataxia este ato de engolir pode não ser tão bem coordenado, a saliva pode se acumular, a pessoa sente que está ali e então tenta limpar a garganta. É portanto uma situação comum em quem tem ataxias, que precisam ter maior consciência do ato de engolir, assim como precisam ter maior consciência ao andar, ou ao executar movimentos que requeiram coordenação manual etc. De um modo geral atáxicos terão maior facilidade de executar suas atividades diárias se estiverem mais atentos e focados em tudo o que fazem.


[Nota MG] Quem tem ataxia precisa ter consciência corporal, e estar focado em certas atividades - principalmente ao ingerir alimentos e líquidos.


A própria Dra Perlman mencionou em outro webinar que se no decorrer da progressão da doença, o paciente perceber que está ficando com dificuldades para tossir (sintoma de várias ataxias), deve procurar o neurologista, que provavelmente vai encaminhar para outros especialistas. O mesmo se a pessoa começar a apresentar sintomas de disfagia (dificuldades para engolir). O problema é que sem conseguir tossir e engolir normalmente, a pessoa corre maior risco de engasgar com alimentos (sólidos, líquidos ou ambos), e isso pode ter sérias complicações (pneumonia aspirativa, ou mesmo levar a óbito se a pessoa não conseguir desobstruir suas vias respiratórias).


A Dra. Perlman explicou que é complexo coordenar os inúmeros músculos utilizados para FALAR, RESPIRAR e COMER ao mesmo tempo, e com o tempo esta coordenação pode se tornar mais difícil para quem tem ataxia. Como obviamente não podemos ficar sem respirar, quem tem ataxia deve se educar para evitar falar durante a alimentação (não é "ficar calado durante o almoço", é evitar falar ao mesmo tempo em que está mastigando e engolindo alimentos).


Pessoas que têm ataxia e já engasgaram com alimentos recomendam partir os alimentos sólidos em pedaços pequenos, ficar mentalmente concentrado durante a alimentação, atento ao ato de engolir, sem conversar ou fazer outras atividades enquanto estiver mastigando, para beber líquidos usar copo com canudo, e em casos mais graves, não comer e beber deitado, e ao dormir convém elevar um pouco a cabeceira da cama (manter a cabeça um pouco mais alta) para evitar engasgar com saliva. Procurar o fonoaudiólogo para fazer terapia (exercícios especiais para engolir sem engasgar) também ajuda na disfagia, além de alguns remédios como a Piridostigmina (que devem ser devidamente receitados).


16 - Atrofia do nervo óptico


Alguém fez uma pergunta sobre possível atrofia do nervo óptico ou neuropatia óptica na SCA28. A Dra Perlman respondeu que não estava familiarizada com esta informação para a SCA28, que teria que pesquisar os dados mais recentes sobre o assunto, mas que para a SCA7 é sabido que é comum ter problemas visuais. Ela também reportou que um paciente com SCA1 chamou a atenção dela para o fato de que também pode haver algum comprometimento visual neste tipo de ataxia mais tarde no curso da doença.


A Dra Perlman disse que no momento novas formas de ataxia estão sendo diagnosticadas, que são descobertos novos tipos (para as ataxias hereditárias dominantes já há genes identificados para a SCA49 e SCA50) e que na medida em que os médicos vão atendendo pacientes com estas novas formas de ataxia eles vão aprendendo mais sobre elas.


Ela alertou que é muito importante ter um neurologista “parceiro”, que escute o paciente, e esteja disposto a trabalhar com ele e dê atenção ao que ele está experimentando, para que possa aprender sobre a doença e tome notas, para que o resto da comunidade possa ser informado.


17 - É possível pessoa que uma pessoa com diagnóstico genético de SCA1 mas que ainda é pré-sintomática não desenvolva uma forma grave da doença?


Sobre a maior ou menor gravidade, a Dra Perlman informa que depende do número de repetições CAG (o tamanho da mutação). É esperado que mutações maiores (muitas repetições CAG) tragam sintomas mais severos e que podem se manifestar mais cedo (antecipação) ou a doença ter uma progressão mais rápida.


Se a pessoa tem parentes na família que tenham ataxia e já tenham sintomas, há uma referência de como a doença se manifesta naquela família especificamente. Pode ser que aquelas pessoas tenham outros fatores genéticos que as protejam de uma evolução mais grave (ex genes anti-envelhecimento), e o estilo de vida (ex ter boa alimentação e bons hábitos de saúde) também pode influenciar o modo com que a presença de um gene mutante poderá afetar a pessoa.


A Dra Perlman recomenda a todos os que têm diagnóstico de ataxia que acompanhem as pesquisas, mantenham hábitos saudáveis e busquem terapias que possam ajudar a retardar a progressão da doença.


18 - Há benefícios documentados de terapias de estimulação TENS?


TENS (Transcutaneous electrical nerve stimulation) é uma técnica de estimulação elétrica dos nervos usada em fisioterapia para recuperação muscular. A Dra Perlman informa que terapias tipo TENS podem ajudar a reduzir dores musculares, o que por sua vez melhora a capacidade da pessoa em participar de fisioterapia ou fazer exercícios, e que ela está a par de técnicas de estimulação que podem ajudar no ganho de massa muscular. Se a pessoa está com perda de massa muscular por causa de não se exercitar por conta da ataxia ou porque os músculos foram impactados pela doença há técnicas para aumentar a massa muscular e que tecnicamente podem aumentar a força muscular também. Nestes casos estas são estratégias de fisioterapia que podem trazer benefícios e portanto podem ser exploradas.


19 - Exposição ao “agente laranja”


Alguém perguntou sobre a relação entre exposição ao agente laranja (um herbicida e desfolhante químico de uso militar) e ataxia cerebelar. A Dra Perlman explicou que sim, a exposição ao agente laranja pode causar efeitos de longo prazo no cérebro, que podem incluir danos ao cerebelo ou provocar outros fatores que podem causar ataxia. O mesmo pode acontecer por intoxicação por produtos químicos industriais (ex. tolueno) que podem afetar o cerebelo e causar ataxia.


[Nota MG] Neste caso seria uma ataxia adquirida, não hereditária, sem causas genéticas. Para mais informações sobre o agente laranja ver https://en.m.wikipedia.org/wiki/Agent_Orange


20 - Sobre o Riluzole


Existe um medicamento já no mercado chamado Riluzole, e há um ensaio clínico do Troriluzole (BHV-4157 - TRORILUZOLE - Biohaven Pharmaceuticals) que é uma espécie de “upgrade” do Riluzole e está buscando aprovação da FDA.


A Dra Perlman explica que o Troliluzole é metabolizado em Riluzole no corpo, de modo que o Riluzole é o ingrediente ativo no medicamento. A diferença é que nesta nova formulação da Biohaven pretende ser mais eficiente.


Como agente, o Riluzole foi investigado na Europa e há alguma evidência de que o remédio tem potencial para retardar a progressão de ataxias genéticas e não genéticas, e talvez melhorar alguns sintomas. Há alguns efeitos colaterais (tonturas, fadiga). A Dra Perlman sugere que é preciso reunir mais dados, e que se a pessoa usou o Riluzole por 3 meses e não sentiu nenhum benefício talvez não seja eficaz em termos de reduzir sintomas para ela.


21 - Tratamentos para a SCA8


No momento há um único ensaio clínico para medicamento para a SCA8, que é o da Biohaven para o Troriluzole. Há também terapias genéticas no pipeline que têm o potencial de curar várias ataxias, mas estes estudos ainda vão demorar algum tempo e no momento não há ensaios clínicos ativos para nenhuma destas terapias. Vale a pena monitorar periodicamente o site da NAF para ver se surgem novos medicamentos para a SCA8 e outras ataxias.


[Nota MG] Ver https://clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT03701399


22 - A ataxia afeta o nervo vago?


O nervo vago é parte do sistema nervoso autônomo, que controla funções corporais involuntárias . É um dos nervos que transmitem mensagens entre o cérebro e outras partes do corpo, como o coração e o sistema digestivo. Está portanto envolvido na função cardíaca e outras funções motoras vitais não voluntárias. Algumas ataxias podem afetar o sistema nervoso autônomo. A SCA3 é uma delas.


A Dra Perlman fez o interessante comentário de que “apesar das ataxias espinocerebelares estarem mais fortemente associadas ao cerebelo, há outros caminhos neurais que se conectam ao cerebelo e são controlados por ele que também podem ser afetados nas ataxias, o que pode produzir uma maior amplitude de sintomas. Ela alerta que é preciso “alargar nossa percepção” sobre quais sintomas a ataxia cerebelar pode causar. Por outro lado, ninguém é imune a desenvolver outras doenças (além da ataxia), de modo que qualquer novo sintoma que apareça e que não pareça ser usual nas ataxias deve ser investigado para ver se tem alguma outra causa.


23 - Existe algum teste para diagnóstico preciso da MSA?


A Dra Perlman informa que ainda não existe nenhum teste específico para a MSA (Atrofia de Múltiplos Sistemas). Um diagnóstico definitivo só pode ser feito após a morte, na autópsia, onde se pode verificar o acúmulo de um certo tipo de proteína no sistema nervoso. Ainda assim através da análise dos sintomas e exames (ressonância magnética do cérebro etc.) é possível fazer diagnósticos de MSA. Porém a Dra Perlman informa que alguns pacientes diagnosticados erroneamente com MSA tinham na verdade SCA3 (DMJ), que em alguns indivíduos pode produzir sintomas de MSA. Da mesma forma, a síndrome CANVAS também pode se parecer com MSA em certos casos. Como tanto a SCA3 quanto a CANVAS podem ser diagnosticadas por testes genéticos, convém fazer diagnóstico diferencial para eliminar estas duas doenças em pacientes com suspeita de MSA.


[Nota MG] Há dois tipos de MSA, o tipo Parkinsoniano (MSA-P) e o tipo Cerebelar (MSA-P). Cada tipo tem diferentes sintomas. O tipo Parkinson é mais comum, e o tipo Cerebelar produz sintomas de ataxia. Além disso pode haver envolvimento de sistemas autônomos. Ainda não há uma causa conhecida para a MSA.


24 - Qual das SCAs (ataxias espinocerebelares) é a mais comum, e qual é a mais rara?


A SCA3 (DMJ) nos Estados Unidos é a mais comum. Na Europa, dependendo do local onde você está, a SCA2 pode ser mais comum. A SCA1 é comum no Japão.


[Nota MG] No Brasil a SCA3 também é a SCA de maior prevalência. Para as ataxias recessivas, a ataxia de Friedreich é a mais comum.


25 - Há alguma relação entre ataxia e doença de Lou Gehrig (ELA - Esclerose Lateral Amiotrófica)?


A Dra Perlman informou que a mutação genética típica da SCA2 é um risco para a Amyotrophic Lateral Sclerosis (ALS) ou doença de Lou Gehrig, ou ELA em português. Há pesquisas em andamento sobre este assunto. Mas é importante entender que SCA2 não é ALS, não produz os mesmos sintomas e não progride como a ALS.


[Nota MG] Ver https://www.houstonmethodist.org/neurology/neuromuscular-disorders/lou-gehrigs-disease-als/#:~:text=Causes%20of%20ALS&text=ALS%20may%20be%20inherited%20in,of%20their%20immediate%20family%20members.


26 - Há alguma forma de atrasar a progressão da ataxia?


Até que surja algum medicamento, convém manter bons hábitos de saúde para não complicar os sintomas da ataxia com outros problemas evitáveis.


De acordo com a Dra Perlman o fundamento para tratar a ataxia no momento é *REABILITAÇÃO* (fisioterapia, exercícios) com fisioterapeuta neurofuncional, bem como trabalhar com fisioterapeuta ocupacional e fonoaudiólogo (se tiver dificuldades para falar (disartria) e/ou engolir (disfagia)). Estas estratégias de reabilitação SEMPRE AJUDAM, e podem ser adaptadas para as condições e necessidades específicas de cada um.


[Nota MG] Até que surja algum medicamento aprovado pela FDA, é recomendável a quem tem ataxias se alimentar bem, descansar sempre que precisar (ataxia cansa!), fazer exercícios físicos para ganhar resistência e força, dentro das possibilidades de cada um e sem exageros, bicicleta ergométrica é muito bom, fazer fisioterapia neurológica para melhorar equilíbrio e coordenação e também para maior segurança (evitar quedas), fazer Yoga também é muito bom, Pilates, hidroginástica, enfim, manter-se ativo. Além disso, procurar atividades para se ocupar (terapia ocupacional) e evitar a depressão, e sobretudo evitar o estresse - há muitos depoimentos de pessoas com diferentes tipos de ataxias que atestam que o estresse piora os sintomas da ataxia, quaisquer que sejam. Viver no presente, fazer o melhor por si e pelos outros que puder ajudar, um dia de cada vez.

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