Webinar NAF de 15/11/2022 com a Dra. Susan Perlman ("Ask the ataxia Expert")
Atualizado: 10 de abr.

Resumo das anotações do webinar de 15 de novembro de 2022 com a Dra. Susan Perlman, ("Ask the ataxia expert"), feitas por Márcio Galvão.
Dr. Susan Perlman of UCLA Medical Center in Los Angeles.
1. Ataxia e transtornos mentais
Além de coordenação motora, o cerebelo também desempenha um papel nas nossas emocional também. Por conta disso, danos ao cerebelo também podem produzir sintomas mentais. Ou seja, Ataxias podem criar problemas mentais como parte dos sintomas (ex. desordens de humor, agressividade, irritação etc.). Além isso, é natural que quem tenha que lidar com uma doença grave como Ataxia desenvolva problemas emocionais como ansiedade, depressão etc. não causadas pela doença em si, mas como respostas emocionais de adaptação ao fato de estar doente.
[nota mg]: Os transtornos mentais derivados de ataxias são genericamente denominados de "Síndrome Cognitiva Afetiva Cerebelar" (Cerebellar Cognitive Affective Syndrome). Tanto pessoas que têm ataxias quanto seus familiares podem se beneficiar de saber que diferentes desordens psiquiátricas podem ocorrer como resultado direto da doença - pelo menos em parte, alguns problemas mentais não estão "na cabeça" dos atáxicos, mas no seu cérebro, e portanto eventuais explosões de irritação, alterações de humor, agressividade e outras dificuldades afetivas NÃO SÃO CULPA dos indivíduos com ataxias. Esta percepção pode ajudar aos familiares, amigos e cuidadores em geral a desenvolver maior tolerância com eventuais desordens de humor. Tal como o médico deve ser procurado quando surgem sintomas motores e visuais típicos de ataxias (dificuldade de caminhar, diplopia, nistagmo, disartria, disfagia, dores neuropáticas etc.), o aparecimento de problemas mentais em atáxicos também deve ser reportado ao neurologista pois é possível melhorar substancialmente a qualidade de vida através de terapias, medicação, reabilitação, aconselhamento psicológico e, sobretudo, compreensão, cuidado e apoio dos familiares.
No caso específico da depressão, o Dr. David Lynch (um dos maiores especialistas do mundo em Ataxia de Friedreich) comentou recentemente que "a depressão é tratável, mas depende da vontade do paciente", e que hoje em dia existem medicamentos modernos que são eficazes como os SSRI (Selective Serotonin Reuptake Inhibitors ), como Citalopram, Fluoxetina, Paroxetina e Sertralina.
2. Ataxia EA2 e enxaquecas
Alguém perguntou se a ataxia episódica EA2 pode ser a causa de "enxaquecas". A Dra. Perlman respondeu que sim, a EA2 pode causar "enxaquecas hemiplégicas".
[nota mg]: As enxaquecas hemiplégicas (hemiplegic migraines) são episódicas, e podem ser acompanhadas de fraqueza muscular unilateral ou mesmo paralisia temporária do braço e da perna em um dos lados do corpo. Os episódios podem durar de alguns minutos até horas, e usualmente resultam de certos "gatilhos" como movimentos bruscos, estresse, abuso de cafeína ou de bebida alcoólica etc.
3. Progressão
Alguém perguntou se existe algum tipo de ataxia que *não* progrida, isto é, fique estacionada, sem piorar com o tempo. A Dra. Perlman respondeu que há alguns tipos de Ataxia como a SCA5 que podem progredir muito lentamente. De modo geral, as ataxias têm progressão lenta, e se a pessoa detectar que de uma hora para outra parece que a progressão está acelerando deve verificar se mudou algo na rotina recentemente, que pode estar agravando sintomas (mudança na rotina de exercícios? Crise conjugal? Aumento de estresse? Problemas financeiros? Pegou alguma infeção, incluindo COVID, que pode desencadear processos inflamatórios? Mudou recentemente de dieta? Ficou diabético e não sabe? Começou a tomar bebidas alcoólicas? Etc.).
[nota mg]: Todas as ataxias hereditárias são doenças progressivas, portanto, "progridem" com o tempo, mas a taxa de progressão pode variar entre os diferentes tipos de ataxias. Em particular, a SCA5 também é chamada de “Lincoln’s Disease” pois há uma família de portadores que é descendente do Presidente Abraham Lincoln. Existem ataxias adquiridas (não hereditárias) que *não* são progressivas, por exemplo, causadas por algum acidente que produza lesão no cerebelo, ou mesmo por doenças como toxoplasmose.
4. Experimentar remédios e suplementos é ok?
Alguém perguntou se era OK tomar remédios e/ou suplementos "off-label" para tentar amenizar sintomas de Ataxias. A Dra. Perlman deu uma resposta honesta e importante - já que não existem ainda medicamentos para ataxia aprovados pela FDA, tudo o que se usa é considerado "off-label". A Dra. entende que as pessoas certamente têm o direito de experimentar, com supervisão médica, mas faz uma importante recomendação - testar um medicamento (ou suplemento, por ex. creatina) de cada vez.
[nota mg]: O ponto enfatizado pela Dra. Perlman é que não se deve tomar vários remédios e suplementos ao mesmo tempo apenas para ver se "funcionam". Por exemplo, se a pessoa resolve tomar Amantadine (com receita médica) para amenizar alguns sintomas da ataxia, pode tomar por 3 meses, verificar se ajudou, se surgem efeitos colaterais etc. Se ajudar, continua. Se em 3 meses não aparecer melhorias, abandonar. O importante é USAR UM DE CADA VEZ, para poder avaliar melhor a eficácia e efeitos colaterais, e sempre com supervisão médica. Quanto aos suplementos (vitaminas, creatina, Coq10, magnésio etc.) vale a mesma recomendação - experimentar por 3 meses, ver se ajudou, se não ajudou, interrompe, se sentir melhora prossegue, mas sempre com supervisão médica pois o uso contínuo e prolongado (longo prazo) pode causar danos ao fígado, e além disso alguns suplementos (ex. Coq10) podem interferir com outros medicamentos.
5. Fadiga
Alguém perguntou sobre remédios para ajudar com a fadiga, o cansaço que é um sintoma bastante comum em ataxias. A Dra. Perlman disse que há medicamentos que podem ajudar no "ganho de energia", mas algumas destas drogas (por ex. Adderall) são substâncias controladas, e tudo como sempre precisa de acompanhamento médico.
[nota mg]: Quem tem ataxia precisa tentar dormir bem, e não deve evitar de descansar sempre que precisar. O "soninho" é importante para restaurar as energias, e os sintomas pioram com o cansaço. O descanso também é bom para melhorar o humor. Outras medicações que podem ajudar com a fadiga são a Amantadina, a Coenzima CoQ e a Idebenona. Caso tenha distúrbios de sono que impeçam o repouso consultar o médico, pois há medicamentos que podem ajudar a dormir melhor (ex. Canabidiol).
6. Acupuntura
Alguém perguntou se terapias quiropráticas e acupuntura podem ajudar em ataxias. A Dra. Perlman respondeu que estas práticas podem ajudar em certos sintomas (ex. reduzir processos inflamatórios, espasmos e dores), mas não terão efeito na coordenação de movimentos e equilíbrio.
[nota mg]: Para dores neuropáticas causadas por ataxias ou outras doenças neurológicas, há medicamentos que o médico pode prescrever como Gabapentina, Pregabalina, Duloxetina, Amitriptilina e Amantadina. Já para espasticidade não são raras as prescrições de Baclofeno, Tizanidina e óleo de CBD (Canabidiol).
7. A importância dos exercícios físicos
Alguém perguntou sobre a importância de quem tem ataxia fazer exercícios. A Dra. Perlman recomendou bastante, tanto para fortalecer a musculatura, quanto exercícios para melhoria de equilíbrio, e melhoria da condição cardiovascular (ex. bicicleta ergométrica). Exercícios cárdio são bons para a circulação sanguínea, e isso faz bem para o cérebro. Também é importante fazer alongamentos, e evitar abusar nos treinos, a ponto de ficar muito cansado ou sentir dores. Todos devem procurar se exercitar da forma que puderem, todos os dias, mas sem excessos.
[nota mg]: Além de exercícios físicos, a fisioterapia ajuda bastante, bem como a Yoga (inclusive Yoga sentado para quem tem mais dificuldade), pilates, enfim, o que a pessoa gostar e tiver acesso, e conseguir fazer. Além da Dra. Perlman o Dr. David Lynch também enfatizou bastante em um congresso recente a importância dos exercícios físicos (dentro das possibilidades de cada um) para os atáxicos, não só pelo lado físico mesmo, mas também pelo lado mental, para ajudar no combate à depressão. Se a pessoa com ataxia fica parada, passa o dia todo no sofá desanimada, deprimida por ter ataxia, a condição piora, e a pessoa vai ficar mais deprimido ainda -> fica mais difícil fazer exercício -> etc. Pelo outro lado, se a pessoa se exercita melhora o psicológico (passa a ter um propósito, um desafio), e melhora neurologicamente também (neuroplasticidade). Com o tempo a pessoa percebe que melhorou, e isso melhora o psicológico -> etc.
8. Nistagmo e vertigens
Alguém perguntou sobre vertigem e tonturas. A Dra. Perlman disse que são sintomas comuns em alguns tipos de ataxias. Nistagmo causado por ataxia pode causar vertigens. Há medicamentos que podem ajudar, como a Dalfampridine, originalmente para MS (esclerose múltipla). Tudo deve ser devidamente receitado, pois pode ter alguns efeitos colaterais (ex. risco de convulsões para quem tem epilepsia etc.).
[nota mg]: Observar que tontura é diferente de vertigem. A tontura (dizziness, em inglês) é uma sensação semelhante à de estar em um barco, ao passo que a vertigem (vertigo) é uma sensação de que o ambiente está rodando. Pessoas com ataxia podem ter estes dois sintomas, por exemplo, quando movem a cabeça, ou mudam de posição (deitado para sentado, sentado para em pé, mudanças de direção ao andar etc.). Porém, a Dra. Perlman alertou (em um outro webinar) que há várias outras causas para estes sintomas que nada têm a ver com ataxia (por exemplo, problemas circulatórios), portanto se estes sintomas surgirem é importante investigar com o médico as causas possíveis, pois pode ou não ter relação com a ataxia, e há medicamentos que podem ajudar.
9. Ataxia Telangiectasia
Alguém fez uma pergunta sobre a Ataxia Telangiectasia (AT), e em um momento de grande honestidade intelectual, típico dos bons cientistas, a Dra. Perlman respondeu simplesmente "não sei". Eu não entendi bem a pergunta, que era bem técnica, mas gostei muito da resposta. Ela não enrolou, não fingiu que sabia, não teve vergonha alguma de dizer que "não sabia responder", mesmo sendo uma especialista em ataxias.
[nota mg]: A questão envolvia a ATLD1, Ataxia-Telangiectasia-Like Disorder 1, uma ataxia recessiva (a pessoa precisa herdar dois genes ruins para ficar doente) relacionada ao gene MRE11. Para os interessados em informações sobre a AT há um portal que podem ajudar, em https://actionforat.org/
10. Disartria e disfagia
Alguém perguntou se "todas as pessoas com ataxias necessariamente teriam problemas para falar (disartria) e para engolir (disfagia). A Dra. Perlman respondeu que embora estes sejam sintomas comuns em vários tipos de ataxias (ex. SCA3), os sintomas que surgem em qualquer SCA dependem das partes do cerebelo que são afetadas (pelo acúmulo da proteína ataxina, que é tóxica para as células nervosas). Ou seja, se a parte do cerebelo que controla a fala e a deglutição for afetada, a pessoa poderá ter disartria e disfagia, caso contrário, não. Ou seja, embora seja um sintoma comum, nem todos que têm ataxias vão necessariamente ter problemas para falar e engolir, e mesmo os que desenvolvem sintomas poderão ter sintomas leves, moderados ou um pouco mais graves, tudo varia muito de pessoa para pessoa, assim como com o tipo de ataxia e outros determinantes.
11. Bexiga e intestinos
Alguém perguntou se a ataxia pode afetar o funcionamento dos intestinos. A Dra. Perlman explicou que qualquer ataxia pode (não necessariamente vai, mas pode) afetar o trato gastrointestinal, e assim produzir sintomas como refluxos, constipação, afetar a bexiga (bexiga neurogênica) etc. Algumas ataxias têm maior probabilidade de produz estes sintomas (ex. Ataxia de Friedreich), mas em qualquer caso, se a pessoa tem ataxia e estes sintomas aparecerem (ex. constipação prolongada), eles não devem ser ignorados, deve-se procurar o médico para obter orientações e medicação adequada.
12. Medicação baseada em NAD+(Nicotinamide, Adenine, Dinucleotide) para SCA7
Assunto muito técnico e não compreendi bem a pergunta, mas tinha relação com algum tipo de medicação ou terapia baseada em NAD+ para retardar a progressão da SCA7. A Dra. Perlman respondeu que isso está em investigação para aumentar a energia e como neuroprotetor para a Ataxia de Friedreich.
[nota mg]: Ver https://archive-ouverte.unige.ch/unige:143075