ATAXIA:
SCA2 (Ataxia espinocerebelar tipo 2)
GENES RELACIONADOS:
ATXN2
TIPO DE MUTAÇÃO:
ATXN2 -> Mutação por expansão CAG
FONTE:
NAF SCA2 Fact Sheet e outras fontes indicadas
LOCALIZAÇÃO:
Gene localizado no cromossoma 12 (12q24.12)
ÚLTIMA ATUALIZAÇÃO:
15/07/2023 por Márcio Galvão
Ficha SCA2
1. SOBRE A SCA2
A ataxia espinocerebelar tipo 2 (Spinocerebellar Ataxia type 2 - SCA2) é um tipo específico de ataxia entre um grupo de doenças hereditárias do sistema nervoso central. Na SCA2, defeitos genéticos causam problemas em fibras nervosas específicas que transportam mensagens do e para o cérebro, resultando em degeneração do cerebelo (o centro de coordenação motora do cérebro).
A SCA2 é um dos 50 tipos de ataxia espinocerebelares cujos genes já foram mapeados. É causada por mutações no gene ATXN2, localizado no cromossoma 12 que foi identificado em 1996. Estas mutações causam repetições de nucleotídeos CAG expandidas. Isso faz com que a proteína codificada pelo gene seja malformada, contendo uma região com expansão de poliglutaminas CAG (PolyQ). Ver 7. Informações Adicionais.
A SCA2 (assim como a SCA3 e outras ataxias espinocerebelares) é uma doença neurodegenerativa multissistêmica, que afeta diferentes sistemas do SNC (Sistema Nervoso Central), podendo causar atrofias (redução volumétrica) sobretudo no cerebelo, mas também outras áreas do SNC como o tronco encefálico (Brainstem), a ponte (Pons) e o mesencéfalo.
2. SINTOMAS TÍPICOS
A SCA2 é bem semelhante à SCA1 e a SCA3 no sentido de que o primeiro sintoma é usualmente a ataxia - má coordenação das mãos e problemas com o equilíbrio ao andar (a palavra "ataxia" significa "falta de coordenação"). Entretanto, além da ataxia, os sintomas iniciais da SCA2 frequentemente incluem a neuropatia (perda de sensações e reflexos) e movimentos oculares muito lentos. Em algumas pessoas com SCA2, câimbras musculares e tremores também podem aparecer no início da doença. Na medida em que a SCA2 progride ao longo de vários anos, a dificuldade de engolir (disfagia) e a fala arrastada (disartria) são comuns, Outros sintomas podem incluir espasticidade, fraqueza, ou problemas de memória. A SCA2 também pode causar uma forma de doença de Parkinson.
Sobre os sintomas típicos da SCA2, a Dra. Giulia Corelli compartilhou em um webinar da NAF as seguintes informações:
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Início do aparecimento dos sintomas tipicamente na meia idade, mas os sintomas podem surgir também na infância ou adolescência (antecipação).
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Em função da variação na quantidade de repetições CAG herdadas, existe variabilidade fenotípica grande entre diferentes pacientes, e mesmo dentro de uma mesma família (isto significa que os sintomas que vão surgir e a sua severidade podem variar bastante de paciente para paciente, mesmo entre irmãos que tenham a doença).
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A evolução dos sintomas é progressiva, podendo afetar a autonomia na realização das atividades do dia a dia.
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A progressão típica medida na escala SARA (que vai de 0 até 40 pontos) é de acréscimo de 1,5 pontos a cada ano de progressão da doença.
Sintomas que podem ocorrer na SCA2:
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Ataxia cerebelar (desequilíbrio, dificuldades ao andar, má coordenação dos membros inferiores e superiores, de movimentos finos, coordenação de movimentos oculares etc.)
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Diplopia (visão dupla) e outros problemas nos movimentos oculares como nistagmo, sacadas lentas (movimentos lentos dos olhos etc.
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Dores neuropáticas.
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Parkinsionismo, posturas anormais, distonia, mioclonia, movimentos involuntários.
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Sintomas urinários, constipação.
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Desordens do sono, síndrome das pernas inquietas (restless leg syndrome).
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Fadiga, sono diário excessivo.
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Problemas cognitivos em estágios mais avançados da doença.
Sintomas psiquiátricos (ex. depressão). -
Disartria causada por ataxia.
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Disfagia
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Câimbras, espasticidade
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Rigidez muscular
Patologia e aspectos clínicos
Para uma relação mais técnica dos sintomas e aspectos clínicos usuais da SCA2 e informações de patologia (quais partes do sistema nervoso central são geralmente afetadas, e quais danos ou disfunções são verificados em nível celular), ver seções Clinical Features e Pathology respectivamente em Neuromuscular -> SCA2
3. A IDADE DOS SINTOMAS
O surgimento dos sintomas (onset) ocorre normalmente na dade adulta, entre os 30 e 40 anos em média, mas podem surgir na infância ou mesmo em idades avançadas.
Nota - O portal Neuromuscular indica a faixa entre 6 e 71 anos de idade, com 40% dos casos ocorrendo antes dos 25 anos. Quando os sintomas surgem antes dos 20 anos, a progressão da doença pode ser mais rápida, e os sintomas podem incluir coréia e demência. Os tipos de sintomas experimentados e sua severidade podem variar de pessoa para pessoa, mesmo dentro de uma mesma família.
4. PODE OCORRER ANTECIPAÇÃO?
Sim. A antecipação em famílias pode chegar a 20 anos (média).
Nota - quanto maior o número de repetições CAG (ver 5. Herança), mais cedo é o aparecimento dos sintomas (onset), que quando surgem na infância tendem a incluir contrações musculares involuntárias por diferentes causas (mioclinia, distonia e mioquimia). A progressão da doença também é mais rápida.
Fonte: Neuromuscular -> SCA2
5. HERANÇA
A SCA2 é uma doença autossômica dominante. Isto significa que indivíduos de ambos os sexos têm a mesma probabilidade de herdar o gene e se tornarem portadores da mutação. Um filho de uma pessoa com SCA2 tem uma probabilidade de 50% de herdar o gene alterado (considerando que apenas um dos pais é portador da mutação).
Observar que "herdar o gene alterado e ser portador da mutação genética" não é a mesma coisa que "vai desenvolver a doença". É possível que uma pessoa herde uma variante patogênica de um gene e não desenvolva a doença (não apresente sintomas), pois pode herdar uma mutação em uma faixa intermediária que tenha baixa penetrância, mas em geral, acima de uma certa faixa que é considerada patológica (alta penetrância), os filhos que herdam um gene dominante vão desenvolver a doença, que em certos casos poderá apresentar sintomas mais cedo e ser mais severa do que nos pais, progredindo mais rapidamente (ver 4. Antecipação).
Faixas de expansão CAG para a SCA2
Todas as pessoas têm uma certa quantidade de repetições CAG no gene ATXN2. Cada pessoa tem duas cópias do gene ATXN2, uma herdada da mãe, e outra do pai. Um alelo pode ter por exemplo 14 repetições CAG, o que é normal e não provoca doença, enquanto o outro alelo (a outra cópia do mesmo gene) pode ter por exemplo, 72 repetições - e neste caso a pessoa vai desenvolver a doença mais cedo ou mais tarde.
Os limites de repetições CAG para dignóstico genético da SCA2 são indicados abaixo:
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Faixa Normal (não desenvolve a doença): De 14 até 30 repetições
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Faixa Intermediária: 31 ou 32 repetições
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Faixa que causa a doença: De modo geral, de 33 até 77 repetições.
Fonte: Neuromuscular -> SCA2
Nota: A Dra. Giulia Coarelli informou em um webinar dados ligeiramentes diferentes dos apresentados acima, onde a faixa normal é de menos que 32 repetições CAG. Pessoas nesta faixa não desenvolvem a doença. Já a faixa de 32 repetições ou mais é patológica, ou seja, pessoas nesta faixa vão apresentar sintomas da SCA2 em algum momento da vida. O valor mais usual de repetições observados em pacientes com SCA2 (sintomáticos) é de 37 repetições. A quantidade de repetições CAA também é importante no caso da SCA2, pois pode alterar os sintomas da doença (ex. sintomas de Parkinsionismo).
Figura 1 (fonte: NAF Webinar with Dr. Corelli, https://youtu.be/Iek9VC9OL0o)

Nota - "Autossômica" significa que o gene está localizado em qualquer cromossoma com exceção dos cromossomas sexuais X e Y. Os genes, assim como os cromossomas, normalmente existem em pares (temos um par de cada gene, uma cópia do gene é herdada da mãe, outra do pai). "Dominante" significa que apenas uma cópia do gene responsável (um alelo) herdada do pai ou da mãe é suficiente para transmitir uma característica física (como a cor dos olhos), ou uma doença genética (como as ataxia hereditárias) de uma geração (pais) para a seguinte (filhos). "Mutação" é um termo antigo que ainda é utilizado para indicar uma "variante patogênica" de um gene (isto é, uma variação que pode causar o aparecimento de doenças genéticas.
Fonte: GARD (Genetic and Rare Diseases Information Center)

Mutação dinâmica - Como ocorre em várias outras ataxias hereditárias, a quantidade de repetições CAG pode se alterar durante a transmissão de pais para filhos, sendo que no caso da SCA2 uma propensão para um aumento da expansão. Por exemplo na figura abaixo o pai (ou a mãe) tinha 33 repetições CAG (logo acima do limite normal de 32 repetições. Um filho herdou o alelo com mutação mas já com 35 repetições CAG, e um dos filhos deste filho herdou também o gene com mutação, mas já com 50 repetições CAG (Figura 2 - fonte: NAF Webinar with Dr. Corelli, https://youtu.be/Iek9VC9OL0o)

Antecipação - A quantidade de repetições CAG é importante pois existe correlação estatística entre a quantidade de repetições CAG e a idade de surgimento dos sintomas (age of onset), e também com a severidade da doença. Quanto maios a quantidade de repetições, mais cedo os sintomas tendem a se manifestar, e com maior severidade. Este fenômeno se chama "antecipação" - ver Item 4) e pode ocorrer na SCA2, especialmente quando a transmissão é paternal (alelo mutante herdado do pai). Ou seja, por causa da antecipação na SCA2, é possível que os filhos apresentem sintomas antes do pai ou mãe que também tem a doença. No exemplo da figura 2, o filho com 50 repetições CAG poderá apresentar os sintomas da SCA2 na infância, ou antes dos 20 anos, talvez enquanto seu pai (ou mãe) que também é portador da mutação com 35 repetições apresente sintomas,
6. PREVALÊNCIA
A SCA2 parece ser duas vezes mais comum que a SCA1, que tem prevalência de 1 ou 2 casos em 100,000 pessoas. Este número pode variar bastante em função do local (país), etnia e outros fatores. Em geral, cerca de 13 % das ataxias espinocerebelares dominantes são do tipo SCA2.
As seguintes informações sobre a prevalência da SCA2 estão disponíveis (ver Fonte):
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Ataxia relativamente comum (de 13% até 18% dos casos)
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Segunda ataxia tipo PolyQ mais comum depois da SCA3
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Mais comum nos Estados Unidos, Espanha, Índia, México, África do Sul , Itália e Cuba.
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Pouco comum no Brasil, Finlândia e Japão
Fonte: Neuromuscular -> SCA2
7. INFORMAÇÕES ADICIONAIS
A ataxia SCA2 é uma das "doenças poliglutamínicas" (PolyQ). Ocorre quando o alelo (cópia) do gene ATXN2 herdado de um dos pais contém uma mutação com uma quantidade anormal de repetições de trinucleotídios CAG (Citosina, Adenina, Guanina), que codificam o aminoácido glutamina (Q) na proteína criada pelo gene. Assim, as proteínas codificadas são mal formadas.
No nível molecular, a proteína mal-formada que é codificada pelo gene mutante tem uma conformação anormal e tende a se acumular e formar agregados nas células nervosas (neurônios). A agregação ocorre especialmente no núcleo e tem efeitos tóxicos, podendo causar disfunções nas interações da célula com outras proteínas, a perda da integridade do núcleo, danos ao DNA, disfunções mitocondriais (causando problemas bioenergéticos relacionados com a geração de energia pelas mitocôndrias), problemas de transcrição e outras alterações e disfunções que podem contribuir para a morte do neurônio (perda neuronal), e a consequente patogênese da doença (sintomas).
A natureza tem mecanismos de proteção para fazer uma "faxina" nas células e quebrar proteínas "problemáticas" ou "desnecessárias" que sejam encontradas. Porém, por algum motivo, estes mecanismos não funcionam bem com estes agregados de poliglutamina, que são insolúveis pelos métodos naturais, e assim as proteínas defeituosas se tornam tóxicas e podem causar disfunções em processos celulares vitais como a autofagia, o transporte axonal e a proteostase, causando degeneração e morte dos neurônios do cerebelo (e de outras células do sistema nervoso), e em função desta perda neuronal surgem os sintomas da ataxia.
Diagnóstico - O diagnóstico da SCA2 pode ser feito com teste genético molecular (exame de DNA) para detectar "Expansões CAG anormais e interrupções CAA no gene ATXN2", sobretudo se já houver alguém na família com diagnóstico fechado (histórico familiar positivo para SCA2). Antes da solicitação de testes genéticos, o neurologista tipicamente faz exames clínicos neurológicos para análise de sintomas, reflexos, anormalidades oculares, avaliação de histórico familiar etc. e é normal que solicite exames de imagem para verificar se há atrofia cerebelar e da ponte por exemplo. Nota: Embora o diagnóstico por teste genético possa ser difícil, demorado e caro, ele é importante, pois permite um melhor aconselhamento genético para os familiares, um melhor manejo da doença, que estará bem determinada, e também possibilita a participação do paciente em ensaios clínicos para medicamentos para ataxias específicas.
8. TERAPIAS E MEDICAMENTOS EM TESTES PARA ESTA ATAXIA
9. TRATAMENTOS
A ataxia SCA2 ainda não tem cura, mas é possível tratar seus sintomas. A lista seguinte é apenas uma referência. Todos os medicamentos têm efeitos colaterais e devem ser prescritos por médicos para que sejam ajustados para as necessidades específicas de cada paciente.
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Para dores neuropáticas: Pregabalin, gabapentin, carbamazepine e duloxetine.
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Para Parkinsionismo: Levodopa e medicações agonistas de dopamina.
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Para distonia: Benzodiapines, trihexyphenidyl, biperiden e injeções de toxina butolínica intramuscular (botox).
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Para câimbras e espasticidade: Baclofen, benzodiapines e botox.
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Para distúrbios de sono: Benzodiapines, zolpidem, melatonin, trazodone, mirtazapine.
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Para síndrome das pernas inquietas: Benzodiapines, pramipexole.
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Para distúrbios urinários: Drogas anticolinérgicas, bloqueadores alfa-1, receptores agonistas adrenergéticos beta3, cateterização urinária (para reduzir o risco de infeções urinárias).
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Para convulsões e mioclonia: Drogas antiepiléticas, benzodiapines.
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Para depressão: Medicamentos andidepressivos SSRI (Selective Serotonin Reuptake Inhibitors).
Além de medicamentos, há terapias e outras medidas que podem ajudar no manejo da SCA2:
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Fisioterapia neurofuncional, exercícios (sobretudo bicicleta ergométrica) e outras atividades físicas regulares (Yoga, Pilates, hidroginástica etc.) são recomendados (dentro das possibilidades de cada um).
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Para reduzir o risco de quedas em função das dificuldades de equilíbrio ao caminhar pode-se adotar bengalas, andadores ou cadeira de rodas, dependendo do estágio da doença.
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Fisioterapia ocupacional e algumas adaptações em casa e nos hábitos diários podem ajudar (ex. instalar barras de apoio nos corredores e banheiros, cadeira para banho, luzes para iluminação noturna, reposicionar os móveis para facilitar a mobilidade, remover tapetes para não tropeçar, utilizar copos com tampa e canudo, calçados com sola antiderrapante e fáceis de calçar etc.).
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Descansar sempre que necessário, e é importante ter um sono noturno de boa qualidade. No caso de dificuldades para dormir, consultar o médico, pois há medicamentos que podem ajudar (por exemplo, óleo de Canabidiol).
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Manter uma alimentação saudável e com boa hidratação.
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Suplementos e vitaminas podem ser recomendados (consultar o médico para avaliar a necessidade - não consumir vitaminas e suplementos sem supervisão médica).
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Convém controlar o peso para evitar dificuldades ainda maiores na mobilidade.
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No caso de tremores, consultar o neurologista para avaliar a medicação mais adequada.
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No caso de espasticidade, consultar o neurologista para avaliar a medicação mais adequada (ex. Baclofeno).
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Para a disartria, se tal sintoma se manifestar, recomenda-se terapia especializada de fala (fonoaudiologia). Dependendo do estágio pode-se avaliar o uso de dispositivos de assistência para a comunicação (disponíveis para smartphone, computador, iPad etc.).
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Para a disfagia, caso ocorra em estágios mais avançados da doença, também se recomenda consulta ao fonoaudiologista - há exercícios que podem ajudar na deglutição, reduzindo o risco de engasgos que possam causar pneumonia aspiratória.
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Evitar (tanto quanto possível) o estresse, que em geral piora os sintomas da ataxia.
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Se necessário, há medicações para o manejo da ansiedade e da depressão. Procurar o médico para avaliar as alternativas mais adequadas.
Veja informações sobre tratamentos e cuidados para os pacientes.
Veja informações para quem tem diagnóstico recente.
Veja informações sobre Grupos de Suporte para pacientes e cuidadores.
10. REFERÊNCIAS (para saber mais sobre SCA2...)
Artigo:
Autor/site:
Idioma:
Data:
Anotações pessoais de Márcio Galvão do webinar da NAF com Dra. Giulia Coarelli
Inglês
Julho 2023
Artigo:
Autor/site:
Idioma:
Data:
GARD - Genetic and Rare Diseases Information Center
Inglês
Last Updated: February 2023
Artigo:
Autor/site:
Idioma:
Data:
Antonella Antenora et al
Inglês
2017 Aug 10
Vídeos
Vídeo:
Autor/site:
NAF (National Ataxia Foundation) - Dr. Sokol Todi
Idioma:
Inglês. É possível habilitar legendas e configurar tradução automática das legendas para português.
Data:
July 26, 2023
Vídeo:
Autor/site:
NAF (National Ataxia Foundation) - Dr. Giulia Coarelli
Idioma:
Inglês. É possível habilitar legendas e configurar tradução automática das legendas para português.
Data:
July 11th, 2023