ATAXIA:
SCA3 (Ataxia espinocerebelar tipo 3)
GENES RELACIONADOS:
ATXN3
TIPO DE MUTAÇÃO:
ATXN3 -> Mutação por expansão CAG
FONTE:
NAF SCA3 Fact Sheet e outras fontes indicadas
LOCALIZAÇÃO:
Gene localizado no cromossoma 14 (14q32.12)
ÚLTIMA ATUALIZAÇÃO:
15/07/2023 por Márcio Galvão
Ficha SCA3
1. SOBRE A SCA3
A ataxia espinocerebelar tipo 3 (Spinocerebellar Ataxia type 3 - SCA3), também conhecida como doença de Machado-Joseph (DMJ), é um tipo específico de ataxia entre um grupo de doenças hereditárias do sistema nervoso central. Na SCA3, defeitos genéticos causam problemas em fibras nervosas específicas que transportam mensagens do e para o cérebro, resultando em degeneração do cerebelo (o centro de coordenação motora do cérebro) e outras estruturas do sistema nervoso.
A SCA3 é um dos 50 tipos de ataxia espinocerebelares cujos genes já foram mapeados. É causada por mutações no gene ATXN3, localizado no cromossoma 14 Estas mutações causam repetições de nucleotídeos CAG expandidas. Isso faz com que a proteína codificada pelo gene seja malformada, contendo uma região com expansão de poliglutaminas CAG (PolyQ). Ver 7. Informações Adicionais.
2. SINTOMAS TÍPICOS
Sintomas físicos
A palavra "Ataxia" significa "falta de coordenação". Tal como em outras formas de ataxias hereditárias, a SCA3 é caracterizada pela má coordenação. O desequilíbrio (ao andar) é normalmente o primeiro sintoma, seguido mais tarde pela falta de coordenação manual e a fala arrastada (disartria atáxica). Alguns indivíduos com SCA3 desenvolvem visão dupla (diplopia), e um exame neurooftalmológico pode detectar limitação ou lentidão anormal dos movimentos oculares, ou uma aparência de "olhar fixo” nos olhos. Na medida em que a doença progride, outros sintomas podem surgir como a espasticidade, rigidez, perda de força muscular, e lentidão dos movimentos, bem como outros sintomas físicos não motores.
A SCA3 é uma doença multissistêmica e pode afetar outras regiões do sistema nervoso além do cerebelo. Exames de imagem e estudos de neuropatologia revelaram atrofia do pons, gânglios da base, mesencéfalo (midbrain), medulla oblongata, múltiplos núcleos de nervos craniais, tálamo e também nos lobos frontal, parietal, temporal, occiptal e límbico. Por conta disso, em geral os sintomas da SCA3 tendem a ser mais abrangentes do que em muitas outras formas de ataxias. Em alguns casos, também podem ocorrer manifestações não motoras, como desordens de sono, disfunções olfatórias, neuropatia periférica, dor, câimbras, fadiga, problemas nutricionais e disfunções autônomas (bexiga neurogênica, dificuldades com o controle da temperatura corporal (termoregulação), disautonomia cardiovascular), além de sintomas afetivos cognitivos.
Fonte: Nonmotor and extracerebellar features in Machado-Joseph disease: a review
Sintomas afetivos e cognitivos
Já é sabido atualmente que o cerebelo não está envolvido apenas equilíbrio e coordenação motora, mas tem papel importante também na velocidade da memória e pensamento, execução de várias tarefas simultâneas (multitasking) e na coordenação de respostas emocionai . Assim, embora na SCA3 não exista um risco claro de demência (como pode haver em outras ataxias), é possível que o paciente tenha irritação, ansiedade, tendência para a depressão e outras dificuldades afetivas por conta da disfunção cerebelar causada pela ataxia. Existem tratamentos para estes sintomas de mudanças emocionais, logo é importante discutir com o neurologista caso estejam presentes pois é possível melhorar substancialmente a qualidade de vida através de terapias, medicação, reabilitação, aconselhamento psicológico e, sobretudo, compreensão, cuidado e apoio dos familiares. Idem se a pessoa detectar mudanças cognitivas (na memória ou velocidade de pensamento).
Patologia e aspectos clínicos
Para uma relação mais técnica dos sintomas e aspectos clínicos usuais da SCA3 e informações de patologia (quais partes do sistema nervoso central são geralmente afetadas, e quais danos ou disfunções são verificados em nível celular), ver seções Clinical Features e Pathology respectivamente em Neuromuscular -> SCA3
3. A IDADE DOS SINTOMAS
A idade de início dos sintomas (assim como os próprios sintomas) podem variar amplamente na SCA3, mesmo entre pessoas afetadas de uma mesma família. Em geral, os sintomas aparecem na idade adulta (entre 30 e 40 anos), e progridem ao longo de várias décadas. Porém, os sintomas podem ser manifestar desde a adolescência até os 70 anos de idade.
Esta variação extrema na data de início dos sintomas tem relação com o número de repetições CAG no gene ATXN3, que é provavelmente a causa a doença - quanto mais repetições CAG no gene com a mutação, mais cedo a doença tende a se manifestar e mais severos podem ser os sintomas (ver 4. Antecipação) .
4, PODE OCORRER ANTECIPAÇÃO?
Sim. Quando o início dos sintomas ocorre mais cedo, em geral a doença tende a ser mais severa e progredir mais rapidamente. A antecipação é mais provável quando a transmissão é paternal.
Nota: De um modo geral, se a quantidade de repetições CAG na mutação genética é maior, os sintomas tendem a surgir mais cedo (Ver 5. Herança) e talvez com maior severidade. Mas isso é "em média", não é uma verdade absoluta para todos os pacientes individualmente. Existem outros fatores além da quantidade de repetições CAG que podem interferir na idade do aparecimento dos sintomas e na velocidade de progressão da doença, como fatores genéticos (talvez a pessoa tenha outras características genéticas que a protejam de certos problemas), e também fatores ambientais e outros (qualidade de vida, nível de estresse, alimentação etc.).
5. HERANÇA
A SCA3 é uma doença autossômica dominante. Isto significa que indivíduos de ambos os sexos têm a mesma probabilidade de herdar o gene e se tornarem portadores da mutação. Um filho de uma pessoa com SCA3 tem uma probabilidade de 50% de herdar o gene alterado, considerando que apenas um dos pais tenha o gene com a mutação.
Observar que "herdar o gene alterado e ser portador da mutação genética" não é a mesma coisa que "vai desenvolver a doença". É possível que uma pessoa herde uma variante patogênica de um gene e não desenvolva a doença (não apresente sintomas), pois pode herdar uma mutação em uma faixa intermediária que tenha baixa penetrância, mas em geral, acima de uma certa faixa que é considerada patológica (alta penetrância), os filhos que herdam um gene dominante vão desenvolver a doença, que em certos casos poderá apresentar sintomas mais cedo e ser mais severa do que nos pais, progredindo mais rapidamente (ver 4. Antecipação).
Faixas de expansão CAG para a SCA3
Cada pessoa tem duas cópias do gene ATXN3, uma herdada da mãe, e outra do pai. Um alelo pode ter por exemplo 14 repetições CAG, o que é normal e não provoca doença, enquanto o outro alelo (a outra cópia do mesmo gene) pode ter por exemplo, 72 repetições - e neste caso a pessoa vai desenvolver a doença mais cedo ou mais tarde. Os limites de repetições CAG para dignóstico genético da SCA3 são indicados abaixo:
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O alelo "normal" do gene ATXN3 tem cerca de 12 até 44 repetições de CAG. Ou seja, até 44 repetições CAG a pessoa *não* tem mutação (não é um portador) e nem vai desenvolver a SCA3.
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De 45 até 59 repetições há uma "faixa intermediária", onde a pessoa pode ou não desenvolver a doença, mas será um portador da mutação. Ver Nota 2 em seguida.
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Acima de 60 repetições a pessoa é um portador da mutação e também será um paciente - a doença vai se manifestar com certeza mais cedo ou mais tarde (a penetrância da doença é de 100% neste caso).
Notas:
1. O portal Neuromuscular indica faixas ligeiramente diferentes. A faixa normal vai de 12 até 40 repetições, e a doença se manifesta acima de 51 repetições (até 87). Esta mesma fonte informa que na transmissão paterna o pai transmite o alelo mutante em 73% dos casos. O número máximo de repetições CAG documentada até agora no gene ATXN3 foi de 87.
2. É importante destacar que pessoas no range intermediário de repetições CAG (45 até 59) podem não desenvolver a doença elas próprias, mas ainda assim podem transmitir os genes com mutação para seus filhos, e nesta transmissão talvez o número de repetições aumente acima do limite (> 60 repetições) e a doença se manifeste no filho sem que o próprio pai tenha ficado doente (há estudos em andamento sobre isso).
3. Há pessoas que têm poucas repetições CAG (quase no limite inferior onde a SCA3 não se manifesta), mas ainda assim podem ter sintomas mais severos. Sobre isso, a Dra. Paula Maciel (pesquisadora) informou que muitos testes medem o nível de repetições CAG no sangue, mas partes diferentes do corpo podem ter repetições diferentes (maiores ou menores), inclusive no cérebro. Assim, uma pessoa pode ter menos repetições detectadas no sangue, mas mais repetições CAG nos genes em células no cerebelo ou outras partes do cérebro mais diretamente relacionadas com as ataxias, e assim mesmo pessoas com poucas repetições de vez em quando podem ter doenças mais severas.
Fonte: FAQ 54 - O que pode influenciar na maior ou menor gravidade dos sintomas da ataxia?
Nota: "Autossômica" significa que o gene está localizado em qualquer cromossoma com exceção dos cromossomas sexuais X e Y. Os genes, assim como os cromossomas, normalmente existem em pares (temos um par de cada gene, uma cópia do gene é herdada da mãe, outra do pai). "Dominante" significa que apenas uma cópia do gene responsável (um alelo) herdada do pai ou da mãe é suficiente para transmitir uma característica física (como a cor dos olhos), ou uma doença genética (como as ataxia hereditárias) de uma geração (pais) para a seguinte (filhos). "Mutação" é um termo antigo que ainda é utilizado para indicar uma "variante patogênica" de um gene (isto é, uma variação que pode causar o aparecimento de doenças genéticas).

6. PREVALÊNCIA
Não ha dados precisos sobre a prevalência da SCA3 na população geral, mas é provável que a SCA3 seja a ataxia hereditária dominante de maior prevalência em várias regiões do mundo (de 20% a 50% dos casos). A taxa varia entre populações, dependendo da localização geográfica e etnia.
Fonte: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK1196/
Nota: As seguintes informações sobre a prevalência da SCA3 estão disponíveis em outra fonte:
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Ataxia espinocerebelar mais comum no mundo: De 20% a 50% dos casos de SCA
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Comum em muitos países: 85% das SCA no Brasil
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Incomum na Índia, México, Itália, África do Sul e Finlândia
Fonte: Neuromuscular -> SCA3
7. INFORMAÇÕES ADICIONAIS
A ataxia SCA3 é uma das "doenças poliglutamínicas" (PolyQ). Ocorre quando o alelo (cópia) do gene ATXN3 herdado de um dos pais contém uma mutação com uma quantidade anormal (acima de um certo limite) de repetições de trinucleotídios CAG (Citosina, Adenina, Guanina), que codificam o aminoácido glutamina (Q) na proteína criada pelo gene (a glutamina é um dos aminoácidos codificados pelos genes e é um dos componentes das proteínas necessárias para a vida). As proteínas mal formadas contendo regiões com várias glutaminas consecutivas (PolyQ, ou poliglutaminas) tendem a se acumular nos neurônios, formando agregados que são tóxicos e podem causar disfunções celuares e até mesmo a morte dos neurônios.
A natureza tem mecanismos de proteção para fazer uma "faxina" nas células e quebrar proteínas "problemáticas" ou "desnecessárias" que sejam encontradas. Porém, por algum motivo, estes mecanismos não funcionam bem com estes agregados de poliglutamina, que são insolúveis pelos métodos naturais, e assim as proteínas defeituosas se tornam tóxicas e podem causar disfunções em processos celulares vitais como a autofagia, o transporte axonal e a proteostase, causando degeneração e morte dos neurônios do cerebelo (e de outras células do sistema nervoso), e em função desta perda neuronal surgem os sintomas da ataxia.
8. TERAPIAS E MEDICAMENTOS EM TESTES PARA ESTA ATAXIA
9. TRATAMENTOS
A ataxia SCA3 ainda não tem cura, mas é possível tratar seus sintomas.
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Fisioterapia neurofuncional, exercícios (sobretudo bicicleta ergométrica) e outras atividades físicas regulares (Yoga, Pilates, hidroginástica etc.) são recomendados (dentro das possibilidades de cada um).
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Para reduzir o risco de quedas em função das dificuldades de equilíbrio ao caminhar pode-se adotar bengalas, andadores ou cadeira de rodas, dependendo do estágio da doença.
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Fisioterapia ocupacional e algumas adaptações em casa e nos hábitos diários podem ajudar (ex. instalar barras de apoio nos corredores e banheiros, cadeira para banho, luzes para iluminação noturna, reposicionar os móveis para facilitar a mobilidade, remover tapetes para não tropeçar, utilizar copos com tampa e canudo, calçados com sola antiderrapante e fáceis de calçar etc.).
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Descansar sempre que necessário, e é importante ter um sono noturno de boa qualidade. No caso de dificuldades para dormir, consultar o médico, pois há medicamentos que podem ajudar (por exemplo, óleo de Canabidiol).
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Manter uma alimentação saudável e com boa hidratação.
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Suplementos (ex. Coenzima Q10) e vitaminas (D, B12 etc.) podem ser recomendados (consultar o médico para avaliar a necessidade - não consumir vitaminas e suplementos sem supervisão médica).
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Convém controlar o peso para evitar dificuldades ainda maiores na mobilidade.
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Para a diplopia (visão dupla) causada por ataxia o uso de óculos com lentes de prisma pode ajudar. No caso de Nistagmo, há medicamentos que podem ajudar. Consultar o neurooftalmologista no caso de aparecimento destes sintomas.
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Para a disartria, se tal sintoma se manifestar, recomenda-se terapia especializada de fala (fonoaudiologia). Dependendo do estágio pode-se avaliar o uso de dispositivos de assistência para a comunicação (disponíveis para smartphone, computador, iPad etc.).
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Para a disfagia, caso ocorra em estágios mais avançados da doença, também se recomenda consulta ao fonoaudiologista - há exercícios que podem ajudar na deglutição, reduzindo o risco de engasgos que possam causar pneumonia aspiratória.
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No caso de espasticidade, consultar o neurologista para avaliar a medicação mais adequada (ex. Baclofeno).
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Evitar (tanto quanto possível) o estresse, que em geral piora os sintomas da ataxia.
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Se necessário, há medicações para o manejo da ansiedade e da depressão. Procurar o médico para avaliar as alternativas mais adequadas.
Veja informações sobre tratamentos e cuidados para os pacientes.
Veja informações para quem tem diagnóstico recente.
Veja informações sobre Grupos de Suporte para pacientes e cuidadores.
10. REFERÊNCIAS (para saber mais sobre SCA3...)
Artigos
Artigo:
Autor/site:
Idioma:
Data:
GARD - Genetic and Rare Diseases Information Center
Inglês
Last Updated: February 2023
Artigo:
Autor/site:
Idioma:
Data:
Tetsuo Ashizawa
Inglês
January 19, 2022
Artigo:
Autor/site:
Idioma:
Data:
Henry Paulson, MD, PhD and Vikram Shakkottai, MD, PhD.
Inglês
Last Update: June 4, 2020.
Vídeos
Vídeo:
Autor/site:
NAF (National Ataxia Foundation) - Dr. Hayley McLoughlin
Idioma:
Inglês. É possível habilitar legendas e configurar tradução automática das legendas para português.
Data:
February 16th, 2023
Vídeo:
Autor/site:
NAF (National Ataxia Foundation) - Dr. Jennifer Faber
Idioma:
Inglês. É possível habilitar legendas e configurar tradução automática das legendas para português.
Data:
February 13, 2022
Vídeo:
Autor/site:
NAF (National Ataxia Foundation) - Seelos Therapeutics
Idioma:
Inglês. É possível habilitar legendas e configurar tradução automática das legendas para português.
Data:
Aug 22, 2022