Ficha AOA2
ATAXIA:
Ataxia com Apraxia Oculomotora tipo 2 (AOA2) / (SCAR1, SCAN2)
GENES RELACIONADOS:
SETX (proteína: senatexina)
TIPO DE MUTAÇÃO:
SETX -> Variantes patogênicas
FONTE:
GeneReviews e outras fontes indicadas
LOCALIZAÇÃO:
Gene localizado no cromossoma 9 (9q34.13)
ÚLTIMA ATUALIZAÇÃO:
06/06/2023 por Márcio Galvão
1. SOBRE A AOA2
A ataxia com apraxia oculomotora tipo 2 (AOA2) - também referida em algumas fontes como SCAR1 e SCAN2 - é uma condição neurológica rara e hereditária com herança autossômica recessiva que afeta o sistema nervoso central. Combina sintomas típicos de ataxia (má coordenação, problemas de equilíbrio e outros) com neuropatia axonal crônica, e cerca de metade dos casos, apraxia oculomotora.
Há diversos tipos de ataxia com apraxia oculomotora, sendo os tipos 1, 2 e 4 os mais comuns. Estes tipos são semelhantes em termos de sintomas, mas são causados por mutações em genes diferentes. No caso da AOA2, a doença é causada por mutações no gene SETX, que sintetiza a proteína senatexina (SETX).
Nota: Além da ataxia AOA2, que tem herança recessiva (ver 5. Herança), mutações no gene da senataxina (SETX) também podem causar esclerose lateral amiotrófica tipo 4 (ALS4), uma forma autossômica dominante de esclerose lateral amiotrófica de início juvenil.
Fonte: GeneReviews
2. SINTOMAS TÍPICOS
Os sintomas da AOA2 podem variar de pessoa para pessoa, mesmo dentro de uma mesma família. Algumas pessoas podem desenvolver mais sintomas do que outras, e quando surgem, os sintomas podem ser leves, moderados ou severos. A relação seguinte é apenas uma referência.
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A ataxia é o primeiro sintoma da AOA2, e também a principal causa desabilitante no início da doença.
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Posteriormente, a neuropatia periférica sensório-motora (particularmente nos membros inferiores) desempenha um papel importante na progressão da doença, afetando entre 90% e 100% dos indivíduos (redução ou ausência de reflexos e perdas sensoriais (por exemplo, sentir vibrações).
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A apraxia oculomotora está presente em cerca de metade (51%) dos indivíduos. Esta condição se traduz na dificuldade em fixar o olhar em objetos e em mover os olhos voluntariamente de um lado para o outro. Quando solicitados a olhar para um lado (esquerdo ou direito), ou para cima e para baixo, o paciente com AOA2 vira primeiro a cabeça, com contraversão no olhar, e somente depois os olhos seguem para o mesmo lado em que a cabeça virou em pequenos movimentos sacádicos lentos.
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Outras alterações oculares (ex. nistagmo, estrabismo corvergente) são observadas em alguns indivíduos com AOA2.
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Também podem ocorrer desordens do movimento (ex. distonia nas mãos, coreia, tremores de cabeça e posturais) em alguns casos.
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Problemas cognitivos (não severos) estão presentes em alguns indivíduos, podendo afetar algumas funções executivas, fala, memória de curto prazo, e dificultar o aprendizado.
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Outros sintomas menos comuns (incluindo sintomas não neurológicos) são descritos em GeneReviews, ver Fonte.
Fonte: GeneReviews
3. A IDADE DOS SINTOMAS
A idade do surgimento dos sintomas de ataxia AOA2 varia entre 3 e 30 anos (média 20.3 anos), ou seja, os sintomas podem se manifestar em crianças, adolescentes ou adultos.
Fonte: GeneReviews
Nota: O portal NEUROMUSCULAR indica o surgimento dos sintomas da AOA2 entre 2 e 22 anos, com média de 15 anos.
Fonte: NEUROMUSCULAR -> AOA2
4. PODE OCORRER ANTECIPAÇÃO?
A antecipação não é observada na AOA2, dado que a doença "pula gerações".
5. HERANÇA
A AOA2 tem transmissão autossômica recessiva. Isto significa que um indivíduo só desenvolve os sintomas da doença se herdar duas cópias (alelos) com mutação do gene SETX (uma do pai, outra da mãe). Se herdar apenas uma cópia do gene mutante (do pai ou da mãe), não vai desenvolver a doença, mas será um portador (carrier) do gene mutante. Nas pessoas que são portadoras (isto é, que possuem apenas um alelo do gene SETX com mutação), a cópia "normal" do gene tem precedência sobre a cópia ruim, e por isso os portadores não desenvolvem sintomas. Já nas pessoas que herdam duas cópias defeituosas do gene SETX a doença vai se manifestar em algum momento da vida (ver 3. Idade dos Sintomas).
A menos que tenha feito testes genéticos em função de histórico familiar da doença, a maioria dos portadores pode não saber que carrega um gene SETX com mutação, já que não têm sintomas da doença. Assim é comum que os pais somente descubram que são portadores do gene quando um de seus filhos é diagnosticado com AOA2 (o que significa que ambos os pais biológicos são portadores). Como os pais portadores não têm sintomas da doença, mas os filhos que herdam dois genes mutantes têm, diz-se que a AOA2 (assim como as demais doenças com transmissão autossômica recessiva) "pula gerações".
Probabilidade dos filhos herdarem a doença
Estatisticamente, se os dois pais são portadores:
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A probabilidade de cada um dos filhos desenvolver a doença (= herdar um gene ruim da mãe e outro do pai) é de 25%.
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A probabilidade de cada um dos filhos não desenvolver a doença e se tornar também um portador (= herdar apenas uma cópia ruim do gene, seja do pai ou da mãe) é de 50%.
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A probabilidade de cada filho não herdar nenhum gene mutante (nem do pai, nem da mãe) e não desenvolver a doença e nem se tornar um portador assintomático é de 25%.
Notas
"Autossômica" significa que o gene está localizado em qualquer cromossoma com exceção dos cromossomas sexuais X e Y. No caso específico da AOA2, o gene SETX está localizado no cromossoma 9. Os genes, assim como os cromossomas, normalmente existem em pares (temos um par de cada gene, uma cópia do gene é herdada da mãe, outra do pai). Assim, homens e mulheres têm igual probabilidade de herdar um gene mutante que pode causar a AOA2.
"Recessiva" significa que duas cópias (alelos) do gene responsável pela doença (variantes patogênicas) precisam ser herdadas (uma do pai, outra da mãe) para que a pessoa desenvolva a doença.

6. PREVALÊNCIA
A ataxia com apraxia oculomotora tipo 2 é uma doença rara, e sua prevalência exata é desconhecida. Estima-se que menos de 5.000 pessoas nos Estados Unidos tenham esta doença. A incidência estimada da AOA2 é provavelmente maior do que a da ataxia Telangiectasa, que é por volta de 3 casos por milhão.
Em função de sua raridade, a conscientização sobre a AOA2 e o nível de informação sobre a doença ainda são limitados, o que traz desafios para o seu diagnóstico (ver 7. Informações Adicionais).
Fontes:
GARD (Genetic and Rare Diseases Information Center) AT Society
7. INFORMAÇÕES ADICIONAIS
O diagnóstico da AOA2 pode ser estabelecido por uma combinação de avaliação clínica, histórico familiar e exames de imagem, e pode ser confirmado por teste genético molecular, que também pode ser utilizado para identificar portadores assintomáticos do gene SETX com mutações que possam causar a AOA2.
Principais aspectos clínicos na AOA2
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Ataxia cerebelar com progressão lenta.
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Ausência ou diminuição de reflexos tendionsos e neuropatia axonal periférica (>90% dos indivíduos)
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Apraxia oculomotora (~51% dos indivíduos)
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Sinais piramidais (reflexo plantar é flexor ou neutro)
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Postura distônica das mãos, movimentos coréicos, tremores de cabeça ou posturais.
Para auxiliar no diagnóstico, o neurologista fará perguntas detalhadas sobre o histórico médico do paciente e histórico familiar (se há outras pessoas na família com diagnóstico ou sintomas da AOA2). O histórico familiar deve ser consistente com herança autossômica recessiva (a doença pula gerações).
Exames
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Atrofia cerebelar pode ser detectada em exames de ressonância magnética 3 Tesla.
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A eletroneuromiografia (EMG) mostra sinais de neuropatia axonal em 90% a 100% dos indivíduos com AOA2.
Indicações laboratoriais
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Pessoas com AOA2 apresentam concentrações elevadas da alfa feto fetoproteina (AFP), uma glicoproteína sintetizada pelo fígado (>20 ng/mL (normal entre 0 e 20 ng/mL) em >95% dos indivíduos afetados).
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A concentração de colesterol total no sangue também é mais elevada (>5.6 mmol/L (valor normal: 3.5 até 5.8 mmol/L) em cerca de 50% dos indivíduos afetados.
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Níveis mais elevados de imunoglobulina (anticorpos IgG and IgA) reportado em algumas famílias.
Diagnóstico diferencial
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O diagnóstico a AOA2 em crianças pode ser difícil, dado que nem todos os sintomas da doença podem estar presentes ou aparentes. Nestes casos, é importante fazer o diagnóstico diferencial tentando a exclusão ataxia Telangiectasia, da AOA1 e da AOA4.
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Já na adolescência é importante diferenciar a AOA2 da ataxia de Friedreich (FA), que pode ser excluída com investigações clínicas já que a apraxia oculomotora não ocorre na FA. Há exame genético molecular para diagnóstico preciso da FA. Também é conveniente diferenciar a AOA2 da ataxia por deficiência de vitamina E (AVED) e da ataxia espática autossômica recessiva de Charlevoix-Saguenay.
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Em adultos, nos casos "simplex" (em que há apenas um indivíduo identificado na família com a doença), convém excluir por teste genético a possibilidade da ataxia espinocerebelar tipo 2 (SCA2), que também associa sintomas de ataxia com movimentos oculares lentos.
Testes pré-natais
Uma vez que variantes patogênicas do gene SETX tenham sido identificadas em um membro da família, outros da mesma família podem considerar a possibilidade de fazer testes genéticos pré-natais para reduzir os riscos de transmissão vertical entre gerações. Este é um assunto delicado e pessoal, mas as pessoas afetadas podem ao menos conversar com um geneticista ou com um neurologista para compreender melhor os riscos e as opções disponíveis.
Fontes:
GeneReviews
Orphanet
8. TERAPIAS E MEDICAMENTOS EM TESTES PARA ESTA ATAXIA
ND
9. TRATAMENTOS
A ataxia AOA2 ainda não tem cura, mas é possível tratar seus sintomas visando melhor qualidade de vida e fornecer apoio contínuo ao paciente. É importante que os pacientes com AOA2 sejam acompanhados por um neurologista e uma equipe médica multidisciplinar e especializada, com a inclusão gradual de novos profissionais de saúde na medida em que seja necessário em função dos sintomas (geneticista, neuro oftalmologista, fisioterapeuta neurofuncional, fisioterapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, nutricionista etc.).
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Uma dieta com baixo colesterol é recomendada para indivíduos com AOA2, e os níveis de colesterol nestes pacientes deve ser monitorado regularmente.
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O médico pode prescrever diferentes medicamentos para sintomas específicos.
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Exercícios e fisioterapia neurofuncional são recomendados para melhor coordenação motora, equilíbrio, força muscular e redução do risco de quedas.
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A fisioterapia ocupacional pode proporcionar ao paciente maior independência nas atividades diárias.
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Para as dificuldades de equilíbrio ao caminhar da ataxia, pode-se adotar bengalas, andadores ou cadeira de rodas, dependendo do estágio da doença.
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Modificações em casa são recomendadas (ex. barras de apoio nos banheiros).
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Convém controlar o peso para evitar dificuldades ainda maiores na mobilidade.
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No caso de disartria, recomenda-se terapia especializada de fala (fonoaudiologia) e o uso de dispositivos de assistência para a comunicação (disponíveis para computador, iPad etc.).
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No caso de disfagia (dificuldades de deglutição), procurar o fonoaudiólogo para estratégias de manejo adequadas, visando a manutenção adequada da nutrição e hidratação do paciente, e reduzir o risco de engasgos e pneumonia aspiratória (que pode ser fatal).
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Se necessário, há medicações para o manejo da ansiedade, depressão e outros problemas mentais.
Fonte: GeneReviews
Veja informações sobre tratamentos e cuidados para os pacientes.
Veja informações para quem tem diagnóstico recente.
Veja informações sobre Grupos de Suporte para pacientes e cuidadores.
10. REFERÊNCIAS (para saber mais sobre a AOA2...)
Artigos
Artigo:
Autor/site:
GARD - Genetic and Rare Diseases Information Center
Idioma:
Inglês
Data:
Last Updated: February 2023
Artigo:
Autor/site:
OMIM
Idioma:
Inglês
Data:
Last Update: April 16, 2019
Artigo:
Autor/site:
Maria-Ceu Moreira, MSc, PhD and Michel Koenig, MD, PhD.
Idioma:
Inglês
Data:
Last Update: July 12, 2018.
Artigo:
Autor/site:
NEUROMUSCULAR
Idioma:
Inglês
Data:
Ver revisões em https://neuromuscular.wustl.edu/rev.htm