top of page
  • Foto do escritorMárcio

O que está ocorrendo no domínio das terapias genéticas para ataxias



Anotações da palestra da NAF 2023 por Márcio Galvão (3/5/23)

Beverly Davidson, PhD

Hayley McLoughlin, PhD

https://www.youtube.com/watch?v=032LgFnBMyE


O laboratório Davidson está trabalhando em terapias genéticas ASO (ver Ref. 1) para as ataxias SCA1 e a SCA2. Também estão em andamento estudos de terapia ASO para o gene ATXN2 (ataxin-2) como modificador a ALS (Amyotrophic Lateral Sclerosis) ou ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica). Este é o MESMO GENE da ataxia SCA2, embora a SCA2 seja uma doença bem diferente da ELA (ver Ref. 2). Há também pesquisas em terapias genéticas para a Doença de Huntington, que assim como a SCA1, a SCA2, a SCA3 e várias outras ataxias é uma doença causada por expansão anormal de poliglutaminas (PolyQ).


A ideia é que as técnicas genéticas que estão sendo desenvolvidas para estas doenças específicas possam ser adaptadas depois para diversas outras doenças neurológicas.


Ref. 1 - https://www.ataxia.org/scasourceposts/snapshot-o-que-e-um-oligonucleotideo-antisenso-aso-aon/

Ref. 2 - https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27531668/


Algumas questões discutidas pela Dra. Beverly


1. Quais vetores podem ser usados para entregar remédios genéticos para células específicas?


Um aspecto importante das terapias ASO é como entregar de forma eficiente e segura (sem efeitos colaterais sérios) o medicamento, de forma a alcançar apenas os neurônios que estão "doentes" (em função de genes com mutações) sem afetar outras células que estão "normais" ou sadias. Uma opção é usar AAV (Adeno Associated Virus) como vetores virais para entrega do medicamento. Os vírus evoluíram por milhões de anos a capacidade de penetrar nas células humanas. A terapia genética se beneficia deste fato natural. Neste caso vírus (modificados, inofensivos) são utilizados como vetores, ou transportadores da "carga genética" que se deseja incluir nas células afetadas. Este é um método já comprovadamente seguro, que já vem sendo aperfeiçoado por 25 anos e já é aprovado pela FDA para tratamento de algumas doenças.


2. Como se faz um vetor viral (rAAV)?


Os cientistas removem a carga genética (DNA) natural de um vírus (ex. Adenovirus) e substituem pelo material genético que desejam introduzir na célula do paciente. Os vetores podem transportar por exemplo uma cópia saudável do gene para substituir a cópia com mutação que está na célula do paciente (= substituição genética), ou usar técnicas de edição como CRISPR/Cas9 ou RNA de Interferência (RNAi) para silenciar o gene mutante (= silenciamento genético), impedindo que ele sintetize proteínas mal formadas que podem matar os neurônios, o que em última análise é causa dos sintomas da ataxia (perda neuronal, causando atrofia do cerebelo e outras estruturas do sistema nervoso).


3. Como o vírus com a carga é introduzido no paciente?


Pode ser por injeção, ou por infusão, dependendo da doença que se deseja curar com a terapia.


4. Como estes vetores rAAV acessam as células alvo?


O vetor se liga naturalmente em receptores (Receptor Binding) que existem na superfície das células. Aqui, a engenharia genética é importante, pois o que se deseja é que os vetores se liguem nas células corretas do cérebro do paciente, e não em outras células de outras partes do corpo. Após se conectar nos receptores das células corretas, os vírus penetram dentro das células em um compartimento chamado endossoma (por um processo natural chamado endocitose).

Uma vez dentro da célula, os vírus evoluíram naturalmente para escapar do endossoma e migrar para o núcleo da célula, onde estão os genes sobre os quais se deseja atuar. Uma vez no núcleo, o código genético que o vírus transportou é convertido em DNA (= ocorre a transcrição do gene de interesse).


A Dra. Davidson explicou que em alguns casos, já existem vírus que podem ser utilizados como vetores, em outros, os próprios vírus que serão usados como vetores são feitos são feitos por engenharia genética no laboratório. A melhor técnica depende da terapia que se deseja elaborar, e o tipo de célula que se deseja atingir (ex. célula do fígado, ou neurónio no cérebro etc.), o que varia com a doença que se quer tratar por terapia genética. Por exemplo, para o caso das ataxias espinocerebelares (SCAs), o laboratório Davidson (e outros) procuram otimizar estes vetores virais (por técnicas de engenharia genética) para que eles se liguem especificamente nas células de Purkinje dentro do cerebelo do paciente.

Além de customizar o vírus de transporte, os laboratórios também customizam o material genético que o vetor transporta. No caso das ataxias espinocerebelares (SCAs), como já mencionado um dos objetivos da terapia pode ser *silenciar* o gene que produz a proteína mal-formada, para que o gene não crie estas proteínas defeituosas. É o acúmulo destas proteínas no núcleo das células nervosas que faz mal a elas (e casa a ataxia). Para silenciar os vírus com mutação (cessar a sua "expressividade") pode ser usada uma técnica chamada de Interferência de RNA (RNAi), ou edição do gene mutante com CRISPR, como veremos adiante.


5. A abordagem RNAi


Interferência de RNA (RNAi) é um método de silenciar alelos (genes) dominantes.


REVISANDO: Existe nos genes um RNA mensageiro (mRNA) que codifica proteínas (por exemplo, o gene ATXN1 codifica a proteína ataxina1, o gene ATXN3 codifica a proteína ataxina3 etc). Se o gene tem uma mutação, a proteína codificada por seu RMA mensageiro é mal formada e pode atrapalhar diversas funções celulares (transcrição genética, erros na expressão de genes, homeostase de cálcio etc.). Isso eventualmente causa a morte da célula nervosa (neurônio). Este é o problema que está na base das ataxias espinocerebelares (SCAs) - a proteína defeituosa ataxina1 causa a SCA1, a proteína defeituosa ataxina3 causa a SCA3 etc.

A técnica de interferência de RNA (RNAi) é projetada para interferir (como o nome sugere) no RNA mensageiro, de modo que ele não funcione mais, e não sintetize a proteína ruim. Assim, sem a proteína defeituosa, os problemas são evitados na raiz.


Esta abordagem já foi testada com sucesso em ratinhos (mouse models), produzindo melhorias importantes em sintomas de ataxia SCA1 (Ref 3). Houve melhoras das funções celulares que antes eram comprometidas pela proteína ruim, e foi verificada melhoria nos sintomas, inclusive a performance motora nos ratinhos.

Ref 3. Megan Keiser, Brain 2015

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4802374/


A segurança do método também foi testada em primatas, que têm cérebros maiores e mais complexos que os dos ratinhos, para avaliar quais dosagens seriam seguras antes de ministrar em pacientes humanos. Nestes testes com primatas não humanos foi verificado um problema de toxidade por causa dos vetores. Após muito estudo, os vetores virais foram aperfeiçoados, foram testados novamente em ratinhos. Os resultados foram bons. A melhoria de performance motora dos ratinhos atingiu quase o patamar dos ratinhos normais (sem a ataxia). Agora, é preciso testar novamente esta nova abordagem de Interferência de RNA (RNAi) em macacos, e depois conversar com a FDA para iniciar testes em seres humanos visando tratar a ataxia SCA1.


6. CRISPR/Cas9


O CRISPR/Cas9 é um outro método de desativar de alguma forma o gene com a mutação, impedindo que ele crie proteínas defeituosas. Neste caso, o propósito é editar diretamente o gene (edição genética) em vez de silenciá-lo.


O CRISPR (Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats) é uma proteína grande, composta por pequenas partes de DNA bacteriano contendo repetições de nucleotídeos CAG (Ref. 4). Acoplado a um outro componente (Cas9), a proteína do CRIPSR é guiada para o gene que se quer editar (por exemplo, o gene ATXN2, cuja mutação causa a SCA2) por uma molécula chamada "RNA Guia" (gRNA). Assim é possível deletar uma parte específica do DNA e remover (por exemplo) as repetições CAG excessivas do gene mutante ATXN2, e assim as proteínas codificadas não serão tóxicas, o que é outra forma de evitar que a ataxia se desenvolva naquele indivíduo. Como a proteína do CRISPR é muito grande, ela precisa ser colocada em dois vetores virais. Cada vetor carrega uma parte (Cas9 e gRNA). Nos testes em ratinhos, os resultados foram bons. Está sendo verificado que os níveis da ataxina2 defeituosa (no caso da SCA2) de fato foram reduzidos pelo método CRISPR/Ca9.


Ref. 4

https://pt.wikipedia.org/wiki/CRISPR


7. Considerações de segurança


Para que estes métodos de tratar as ataxias (SCA1, SCA2, SCA3 e outras) sejam aprovados pela FDA para uso em seres humanos, é preciso comprovar a eficácia (= funciona) a segurança (= não traz efeitos colaterais ruins). Um problema na abordagem CRISPR/Cas9 é que a proteína vem de bactérias - não é produzida normalmente no corpo humano. Então, nosso sistema imunológico vai atacar esta proteína, como se o tratamento genético que se deseja fazer fosse algum tipo de infecção. Então, como tornar segura a entrega do CRISPR/Cas9?


Uma técnica é usar os vetores virais para introduzir o CRISPR na célula, mas mantê-lo "desligado" (silencioso), para não despertar reações imunológicas, e ligar o CRISPR apenas quando for necessário. Um método para fazer isso é o paciente consumir (via oral) uma dose única de um remédio contendo uma molécula (LMI070) que vai "ativar" o funcionamento do CRISPR, permitindo que ele seja "montado" de forma correta. Este método é chamado "X-On"). Ou seja, o mecanismo de edição genética por CRISPR seria "induzido por drogas" em momentos específicos, ficando desligado até ser ativado, e assim evitando reações imunológicas.


Esta técnica do "X-On" foi testada em ratinhos. Primeiro, o CRISPR foi entregue "desativado", e após algumas semanas foi dada o remédio LMI070 (uma dose, via oral, de alguns miligramas) para o ratinho, e assim o CRISPR foi montado da forma correta e se tornou funcional. Os resultados foram muito encorajadores.


8. Conclusões


As terapias genéticas emergentes baseadas em RNAi e CRISPR/Cas9 são promissoras para o tratamento de diversas doenças neurológicas, incluindo ataxias. Os resultados de laboratório Davidson para SCA1 e SCA2 são encorajadores.


A Dra. Davidson explicou que ainda é preciso fazer muitos testes para checar as dosagens corretas para pacientes humanos, bem como os métodos para atingir as células alvo desejadas e evitar toxidades, visando eficácia e segurança, inclusive segurança após meses de tratamento, não apenas semanas ou dias. O uso da técnica "X-On" para ativar o CRISPR somente quando necessário é importante no aspecto da segurança.


Segundo a Dra. Davidson. HOJE, obter resultados em humanos com estas terapias ASO ainda exigiria uma dose muito elevada, portanto é preciso ainda otimizar as técnicas para permitir que o tratamento funcione com doses bem menores, e, portanto, com muito maior segurança.

Pelo que sabe de modelos animais (mouse models), um nível de redução de 20% a 30% nos níveis de proteínas tóxicas já seja suficiente para melhorias nos sintomas das ataxias. Para o caso de pacientes humanos, o nível de redução necessário não é ainda conhecido, isso só será descoberto com ensaios clínicos autorizados pela FDA, onde várias doses do medicamento poderão ser testadas.


Cada um de nós herda duas cópias (alelos) de cada gene, um do pai e outro da mãe. Isso também vale para os genes relacionados com as ataxias SCA1, SCA2, SCA3 etc. Em estudos com ratinhos, parece seguro silenciar alguns genes, evitando que ele crie alguma proteína. Mas no caso de humanos, não se tem certeza do impacto que silenciar as duas cópias do gene podem causar. Por este motivo, estão sendo desenvolvidas técnicas que permitem silenciar apenas um dos alelos (o que tiver a mutação, herdado do pai ou da mãe), e deixar o outro alelo normal intacto. Isso, entretanto, é complexo. Já se sabe como fazer para o caso da Doença de Huntington, e estão sendo feitos estudos para ver como se faz também para o caso dos genes das ataxias.

Uma vez que as questões de segurança e os mecanismos de entrega (vetores virais) tenham sido otimizados para uso em seres humanos, as técnicas aqui discutidas para a Doença de Huntington e as ataxias SCA1 e SCA3 são potencialmente adaptáveis para outros tipos de ataxias "PolyQ", causadas por repetições anormais de trinucleotídios.


Finalizando, a Dra. Davidson enfatizou a importância dos estudos de história natural para ajudar no convencimento da FDA de que as terapias são eficazes e seguras, bem como a compreensão de quais biomarcadores podem ser utilizados para monitorar a progressão da doença durante os ensaios.


[Nota MG] recentemente a farmacêutica BIOGEN anunciou a paralisação de seus estudos para o medicamento BIIB132 baseado em terapia ASO para ataxia SCA3. Entretanto, prossegue no pipeline da NAF o medicamento VO659, também baseado em terapia ASO da Vico Therapeutics, para SCA1, SCA3 e Doença de Huntington. O progresso pode ser monitorado em https://www.ataxia.org/pipeline/sca3/

16 visualizações

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page