Ataxia:
Ataxia com Apraxia Oculomotora (AOA1, AOA2)
GENES RELACIONADOS:
APTX (AOA1), SETX (AOA2)
TIPO DE MUTAÇÃO:
APTX, SETX -> Variantes patogênicas
LOCALIZAÇÃO:
Cromossoma 9 (APTX 9p21.1), (SETX 9q34.13)
HERANÇA:
Autossômica Recessiva
ÚLTIMA ATUALIZAÇÃO:
11/03/2025 por Márcio Galvão
Ficha AOA
1. SOBRE A AOA
As ataxias com apraxia oculomotora (AOA) são condições neurológicas raras e hereditárias com herança autossômica recessiva, que afetam o sistema nervoso central. Além de ataxia, as pessoas afetadas pelas AOAs também desenvolvem apraxia oculomotora e outros sintomas (ver Seção 2. Sintomas Típicos).
Há diversos tipos de ataxia com apraxia oculomotora (AOA) causados por mutações em genes diferentes, sendo os tipos 1, 2 e 4 (AOA1, AOA2 e AOA4) os mais comuns. Há também uma ataxia do grupo das "AOAs" denominado XRCC1-AOA [8]. Estes tipos são semelhantes em termos de sintomas, que em todos eles se manifestam tipicamente na infância ou na adolescência.
Sobre a AOA1 (Ataxias com apraxia oculomotora tipo 1)
No caso da AOA1, a doença é causada por mutações no gene APTX, que fornece instruções para a criação da proteína aprataxina. Dezenas de mutações diferentes no gene APTX que podem causar a AOA1 já foram identificadas. A maioria são mutações pontuais, como substituições de nucleotídeos únicos, inserções ou deleções. Dependendo do tipo de mutação, pode haver redução na síntese de aprataxina, ou podem ocorrer modificações nos aminoácidos resultando em proteínas não funcionais ou instáveis que se quebram facilmente nas células [6]. Essas mutações interferem na capacidade da aprataxina de reparar o DNA danificado, levando aos sintomas característicos da AOA1,
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A proteína aprataxina (APTX) está relacionada com o reparo de DNA danificado no interior das células (single stranded DNA repair [8]). O DNA pode ser danificado por diferentes causas, como exposição a agentes danosos como alguns tipos de moléculas de oxigênio reativo (ROS - Reactive Oxygen Species), exposição à radiação ionizante ou outros fatores ambientais. Também pode ocorrer quebras no DNA quando cromossomas trocam material genético na preparação para a divisão celular.
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Em função da quantidade reduzida ou menos funcional da proteína aprataxina e do acúmulo de danos ao DNA no interior das mitocôndrias também podem ocorrer disfunções mitocondriais na AOA1 para as quais os tecidos dos músculos e do cérebro são especialmente sensíveis em função de sua maior necessidade de energia [6, 7].
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A proteína aprataxina desempenha um papel importante na regulação do processo de transcrição (conversão do DNA em RNA mensageiro ou mRNA - ver Figura 1), interagindo diretamente com outras proteínas envolvidas na transcrição. Se a aprataxina é defeituosa ou disfuncional em função da mutação no gene APTX, pode haver impactos no processo de transcrição resultando na deficiência de outras proteínas essenciais para a vida, e também causando morte celular [6].
Figura 1 - Papel da aprataxina no processo de transcrição de DNA em mRNA - imagem reproduzida de [6].

Em resumo - nos indivíduos com AOA1, a quantidade da proteína aprataxina que o gene APTX vai codificar será reduzida ou poderão ser sintetizadas proteínas instáveis ou defeituosas, o que afeta o reparo eficiente do DNA nas células. Sem o reparo adequado do DNA a célula se torna instável e pode morrer. No caso de células nervosas (neurônios) do sistema nervoso central a morte das células é especialmente impactante, dado que não ocorre regeneração, e assim há uma perda neuronal cumulativa, que pode resultar por exemplo em atrofia do cerebelo, responsável por coordenar nossos movimentos, e assim surgem os sintomas da ataxia (Figura 2 - Imagem gerada por apoio de IA).

Sobre a AOA2 (Ataxias com apraxia oculomotora tipo 2)
A ataxia com apraxia oculomotora tipo 2 (AOA2) também é referida em algumas fontes como SCAR1 e SCAN2. Combina sintomas típicos de ataxia (má coordenação, problemas de equilíbrio e outros) com neuropatia axonal crônica, e cerca de metade dos casos, apraxia oculomotora [10].
No caso da AOA2, a doença é causada por mutações no gene SETX, que sintetiza a proteína senatexina (SETX), uma helicase de DNA/RNA (ver Nota 1) localizada no núcleo das células que está envolvida no reparo de DNA. Mais de cem de mutações diferentes no gene SETX que podem causar a AOA2 (e outras doenças) já foram identificadas. A maioria são mutações dos tipos nonsense, missense e splicing site, bem como pequenas deleções e inserções [10, 6]. Dependendo do tipo de mutação, pode haver redução na síntese de senataxia, ou podem ocorrer modificações nos aminoácidos resultando em proteínas não funcionais ou instáveis que se quebram facilmente nas células. Essas mutações podem interferir na capacidade da senataxina de reparar DNA danificado, bem como interferir em outros processos celulares importantes (regulação de transcrição de DNA em mRNA, autofagia e remoção de proteínas tóxicas, regulação de R-loops e outros), o que pode causar perda neuronal (morte de células nervosas) levando ao surgimento dos sintomas característicos da AOA2 [6],
Nota 1: Uma helicase de DNA/RNA é uma enzima que desempenha um papel crucial na replicação, transcrição e reparo do DNA e RNA. Essas enzimas são responsáveis por desenrolar a dupla hélice de DNA ou RNA, separando as duas cadeias complementares para permitir que ocorram processos como replicação ou transcrição. Durante a replicação do DNA, por exemplo, a helicase desenrola a dupla hélice, permitindo que outras enzimas, como a DNA polimerase, copiem as cadeias de DNA. Da mesma forma, durante a transcrição do DNA em RNA, a helicase abre a dupla hélice para permitir que a RNA polimerase sintetize o RNA mensageiro.
Nota 2: Além da ataxia AOA2, que tem herança recessiva (ver Seção 5. Herança), mutações no gene da senataxina (SETX) também podem causar esclerose lateral amiotrófica tipo 4 (ALS4), uma forma autossômica dominante de esclerose lateral amiotrófica de início juvenil [10].
2. SINTOMAS TÍPICOS
Os sintomas das AOAs podem variar de pessoa para pessoa, mesmo dentro de uma mesma família. Algumas pessoas podem desenvolver mais sintomas do que outras, e quando surgem, os sintomas podem ser leves, moderados ou severos. Apresentamos em seguida apenas uma referência dos sintomas típicos da AOA1 e AOA2.
Sintomas da AOA1
De acordo com as fontes [1,2], pacientes com AOA1 apresentam inicialmente sintomas típicos de ataxia com progressão lenta, tais como problemas de coordenação motora e equilíbrio (dificuldades para andar), dificuldades de fala (disartria) e deglutição (disfagia), bem como tremores de intenção e espasmos musculares.
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Alguns anos depois do surgimento dos sintomas de ataxia, manifestam-se também sintomas da apraxia oculomotora em todos os indivíduos com AOA1, como dificuldades em fixar o olhar em objetos e em mover os olhos voluntariamente de um lado para o outro. Quando solicitados a olhar para um lado (esquerdo ou direito), ou para cima e para baixo, o paciente com AOA1 vira primeiro a cabeça, com contraversão no olhar, e somente depois os olhos seguem para o mesmo lado em que a cabeça virou em pequenos movimentos sacádicos lentos. Muitos indivíduos com AOA1 piscam exageradamente.
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Outros sintomas da AOA1 são a perda de massa muscular (atrofia) nas mãos e nos pés.
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Cerca de 30% de pacientes estudados com AOA1 apresentaram Pes cavus, e alguns outros desenvolveram escoliose (sintomas que também ocorrem na Ataxia de Friedreich - ver Diagnóstico Diferencial na Seção 7. Informações Adicionais).
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Podem ocorrer movimentos involuntários (corea) e distonia dos membros superiores.
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Nos estágios mais avançados, as neuropatias periféricas axonais dominam o quadro clínico da AOA1, podendo causar fraqueza muscular nos membros. Após muitos anos com a doença, os pacientes podem apresentar problemas nos reflexos e na capacidade de sentir vibrações. Os sentidos de dor, luz e toque são preservados.
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A inteligência não é usualmente afetada pela ataxia com apraxia oculomotora tipo 1 (AOA1), embora algumas pessoas com esta condição possam apresentar deficiências cognitivas.
Alguns indivíduos com AOA1 poderão requerer o uso de cadeira de rodas, tipicamente após 10 até 15 anos do início do aparecimento dos sintomas (ou entre os 15 e 20 anos de idade em média).
Sintomas da AOA2
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A ataxia é o primeiro sintoma da AOA2, e também a principal causa desabilitante no início da doença.
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Posteriormente, a neuropatia periférica sensório-motora (particularmente nos membros inferiores) desempenha um papel importante na progressão da doença, afetando entre 90% e 100% dos indivíduos (redução ou ausência de reflexos e perdas sensoriais (por exemplo, sentir vibrações).
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A apraxia oculomotora está presente em cerca de metade (51%) dos indivíduos. Esta condição se traduz na dificuldade em fixar o olhar em objetos e em mover os olhos voluntariamente de um lado para o outro. Quando solicitados a olhar para um lado (esquerdo ou direito), ou para cima e para baixo, o paciente com AOA2 vira primeiro a cabeça, com contraversão no olhar, e somente depois os olhos seguem para o mesmo lado em que a cabeça virou em pequenos movimentos sacádicos lentos.
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Outras alterações oculares (ex. nistagmo, estrabismo corvergente) são observadas em alguns indivíduos com AOA2.
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Também podem ocorrer outras desordens do movimento (ex. distonia nas mãos, coreia, tremores de cabeça e posturais) em alguns casos.
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Problemas cognitivos (não severos) estão presentes em alguns indivíduos, podendo afetar algumas funções executivas, fala, memória de curto prazo, e dificultar o aprendizado.
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Outros sintomas menos comuns (incluindo sintomas não neurológicos) são descritos em [10].
Alguns indivíduos com AOA2 poderão requerer o uso de cadeira de rodas para melhor mobilidade, tipicamente por volta dos 30 anos de idade [10].
3. IDADE DOS SINTOMAS
AOA1
O surgimento dos sintomas (onset) da AOA1 tipicamente ocorre por volta dos 4 anos de idade [2].
Notas
1. O portal GeneReviews [1] indica a faixa entre 2 e 10 anos de idade para o início dos sintomas, com média aos 4.3 anos.
2. O portal NEUROMUSCULAR [3] indica a faixa entre 1 e 16 anos, com média de 4.7 anos.
3. A fonte [8] indica faixa entre 2 e 12 anos, com média aos 5 anos.
AOA2
A idade do surgimento dos sintomas de ataxia AOA2 varia entre 3 e 30 anos (média 20.3 anos), ou seja, os sintomas podem se manifestar em crianças, adolescentes ou adultos [10].
O portal NEUROMUSCULAR [11] indica o surgimento dos sintomas da AOA2 entre 2 e 22 anos, com média de 15 anos.
Enquanto a ataxia AOA1 se manifesta tipicamente na infância, a fonte [12] caracteriza a AOA2 como uma desordem "tipicamente adolescente" com surgimento dos sintomas entre 10 e 25 anos de idade, com média de 14-15 anos,
4. ANTECIPAÇÃO
A antecipação não é observada na AOA, dado que a doença "pula gerações".
5. HERANÇA
Como vimos, a AOA1 está relacionada com mutações (variantes patogênicas) no gene APTX, enquanto a AOA2 está relacionada com mutações no gene SETX. Ambos os tipos podem ser transmitidos dos pais para os filhos.
A AOA (todos os tipos) têm transmissão autossômica recessiva. Isto significa que filhos de ambos os sexos têm igual probabilidade de herdar a mutação que pode causar a doença. Um indivíduo só desenvolve os sintomas da doença se herdar duas cópias (alelos) do gene com a mutação (uma do pai, outra da mãe). Se herdar apenas uma cópia do gene mutante (do pai ou da mãe), não vai desenvolver a doença, mas será um portador (carrier) do gene mutante. Nas pessoas que são portadoras (isto é, que possuem apenas um alelo do gene com mutação), a cópia "normal" do gene tem precedência sobre a cópia ruim, e por isso os portadores não desenvolvem sintomas. Já nas pessoas que herdam duas cópias defeituosas do gene a doença vai se manifestar em algum momento da vida (ver 3. Idade dos Sintomas).
A menos que tenha feito testes genéticos em função de histórico familiar da doença, a maioria dos portadores pode não saber que carrega um gene com mutação, já que não têm sintomas da doença. Assim é comum que os pais somente descubram que são portadores do gene quando um de seus filhos é diagnosticado por exemplo com AOA1 (o que significa que ambos os pais biológicos são portadores).
Probabilidade dos filhos herdarem a doença
Estatisticamente, se os dois pais são portadores:
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A probabilidade de cada um dos filhos desenvolver a doença (= herdar um gene ruim da mãe e outro do pai) é de 25%.
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A probabilidade de cada um dos filhos não desenvolver a doença e se tornar também um portador (= herdar apenas uma cópia ruim do gene, seja do pai ou da mãe) é de 50%.
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A probabilidade de cada filho não herdar nenhum gene mutante (nem do pai, nem da mãe) e não desenvolver a doença e nem se tornar um portador assintomático é de 25%.
Aconselhamento genético
Dado que a herança é hereditária (pode ser transmitida para próximas gerações), uma vez que uma variante patogênica do gene que causa algum dos subtipos de AOA tenha sido identificada em algum membro da família, o aconselhamento genético é recomendado para os portadores adultos que pretendam ter filhos.
Notas
"Autossômica" significa que o gene está localizado em qualquer cromossoma com exceção dos cromossomas sexuais X e Y. Os genes, assim como os cromossomas, normalmente existem em pares (temos um par de cada gene, uma cópia do gene é herdada da mãe, outra do pai). Assim, homens e mulheres têm igual probabilidade de herdar um gene mutante que pode causar algum dos tipos de AOA (como a AOA1, AOA2 ou a AOA4).
"Recessiva" significa que duas cópias (alelos) do gene responsável pela doença (variantes patogênicas) precisam ser herdadas (uma do pai, outra da mãe) para que a pessoa desenvolva a doença.
Figura 3 crédito - A nota acima e a imagem abaixo foram reproduzidas do GARD [4].

6. PREVALÊNCIA
AOA1
A ataxia com apraxia oculomotora tipo 1 é uma doença rara, e sua prevalência exata é desconhecida. Estima-se que a AOA1 afete algumas centenas de pessoas em todo o mundo, parecendo ter maior prevalência em Portugal, Japão, Itália e França [8].
Há também casos identificados na Tunísia, Alemanha, Estados Unidos, Brasil e outros países.
AOA2
A ataxia com apraxia oculomotora tipo 2 é uma doença rara, e sua prevalência exata é desconhecida. Estima-se que menos de 5.000 pessoas nos Estados Unidos tenham esta doença [13]. A incidência estimada da AOA2 é provavelmente maior do que a da ataxia Telangiectasa, que é por volta de 3 casos por milhão. A prevalência da AOA2 na França é estimada em 1/900,000 [12].
Estudos feitos em Portugal desde 1993 sugerem que depois da Ataxia de Friedreich, a AOA (considerando todos os subtipos!) é a ataxia com transmissão autossômica recessiva de maior prevalência (12.6%). Enquanto os tipos 1 e 4 são mais frequentes em Portugal, o tipo 1 parece ser a maior causa de ataxia autossômica recessiva no Japão, onde a AOA1 é chamada "ataxia precoce com apraxia oculomotora e hipoalbuminemia" (early-onset ataxia with oculomotor apraxia and hypoalbuminemia), em referência ao fato dos pacientes com AOA1 terem deficiência na produção de albumina.
Em função de sua raridade, a conscientização sobre os diferentes tipos de AOA e o nível de informação sobre a doença ainda É muito limitado, o que traz desafios para o diagnóstico (ver Seção 7. Informações Adicionais).
7. INFORMAÇÕES ADICIONAIS
O diagnóstico da AOA (qualquer tipo com gene já identificado) pode ser estabelecido por uma combinação de avaliação clínica, histórico familiar, exame físico e indicações laboratoriais, e pode ser confirmado por teste genético molecular, (exame de DNA) que também pode ser utilizado para identificar portadores assintomáticos do gene com mutações que possam causar alguns dos subtipos da AOA.
Diagnóstico da AOA1
É importante tentar obter um diagnóstico preciso da AOA1, pois outras doenças neurológicas podem produzir sintomas semelhantes (ver Diagnóstico diferencial mais adiante). O diagnóstico precoce permite iniciar mais cedo o tratamento adequado para manejo dos sintomas. Entretanto, o diagnóstico da AOA1 pode ser bastante difícil em crianças muito pequenas onde os sintomas da desordem ainda não são todos aparentes.
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Na avaliação clínica o médico poderá identificar sinais de ataxia (coordenação motora, reflexos, força muscular etc.) e outros sinais neurológicos associados com a apraxia oculomotora.
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Exames de ressonância magnética indicam atrofia cerebelar em todos os indivíduos afetados. Alguns indivíduos podem apresentar também atrofias em outras estruturas do sistema nervoso central (ex. tronco cerebral).
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Sinais de neuropatia axonal são encontrados em 100% dos indivíduos com AOA1. Tais sinais podem ser detectados em exames EMG (eletroneuromiografia).
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Para auxiliar no diagnóstico, o neurologista fará perguntas detalhadas sobre o histórico médico do paciente e histórico familiar (se há outras pessoas na família com diagnóstico ou sintomas da AOA1), bem como para obter outras informações relevantes que possam ajudar a identificar possíveis fatores de risco ou causas subjacentes.
Exames e indicações laboratoriais para a AOA1
Pessoas com alguns tipos de ataxia com apraxia oculomotora podem ter anormalidades sanguíneas específicas. Indivíduos com o tipo 1 (AOA1) tendem a apresentar quantidades reduzidas de uma proteína chamada albumina, que transporta moléculas no sangue. A deficiência de albumina (hipoalbuminemia) em geral resulta em níveis elevados de colesterol circulando na corrente sanguínea, o que por sua vez eleva o risco de doenças cardíacas [2]. Para informações mais detalhadas sobre indicações laboratoriais úteis no diagnóstico da AOA1 consultar [1, 8].
De acordo com as fontes [3,6], os níveis de Coenzima Q10 podem ser reduzidos em pacientes com AOA1.
Diagnóstico da AOA2
Principais aspectos clínicos na AOA2
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Ataxia cerebelar com progressão lenta.
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Ausência ou diminuição de reflexos tendionsos e neuropatia axonal periférica (>90% dos indivíduos)
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Apraxia oculomotora (~51% dos indivíduos)
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Sinais piramidais (reflexo plantar é flexor ou neutro)
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Postura distônica das mãos, movimentos coréicos, tremores de cabeça ou posturais.
Exames e indicações laboratoriais para a AOA2
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Atrofia cerebelar pode ser detectada em exames de ressonância magnética (sobretudo nos hemisférios do cerebelo e no vermis).
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A eletroneuromiografia (EMG) mostra sinais de neuropatia axonal em 90% a 100% dos indivíduos com AOA2.
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Pessoas com AOA2 apresentam concentrações elevadas da alfa-fetoproteina (AFP), uma glicoproteína sintetizada pelo fígado - acima de 20 ng/mL (normal entre 0-20 ng/mL) em >95% dos indivíduos afetados).
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A concentração de colesterol total no sangue também é mais elevada (>5.6 mmol/L (valor normal: 3.5 até 5.8 mmol/L) em cerca de 50% dos indivíduos afetados.
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Níveis mais elevados de imunoglobulina (anticorpos IgG and IgA) reportado em algumas famílias.
Diagnóstico diferencial de AOAs
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No diagnóstico diferencial em crianças, a AOA2 é a desordem com maior probabilidade de ser confundida com a AOA1. Enquanto na AOA1 o nível sanguíneo de albumina é mais baixo (e o de colesterol mais alto), na AOA2 verifica-se um nível mais elevado de alpha-fetoproteina.
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Além da AOA2, também é importante diferenciar a AOA1 da AOA3 (causada por mutação no gene PIK3R5) e da AOA4 (gene PNKP), para mais informações ver Tabela 2 em [1].
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Durante o processo de diagnóstico das AOAs na adolescência é importante excluir a possibilidade de outras ataxias com herança recessiva como a Ataxia de Friedreich, e também da Ataxia por deficiência de vitamina E (AVED). Observar que a ataxia de Friedreich pode ser excluída com investigações clínicas já que a apraxia oculomotora não ocorre na FA. Também é conveniente diferenciar a AOA2 da ataxia espática autossômica recessiva de Charlevoix-Saguenay. Na AOA1 os níveis de Coenzima Q10 podem ser reduzidos em pacientes com AOA1, de modo que também é bom fazer diagnóstico diferencial para a SCAR9 (ataxia por deficiência primária de Coenzima Q10).
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Já em pacientes adultos que não tenham histórico familiar (casos "simplex") a AOA1 e a AOA2 podem ser confundidas com a Ataxia espinocerebelar tipo 2 (SCA2), que tem herança autossômica dominante e também combina sintomas de ataxia cerebelar com movimentos oculares lentos. O diagnóstico da SCA2 pode ser confimado (ou excluído) por teste genético molecular para mutações no gene ATXN2 [1, 10].
8. TERAPIAS E MEDICAMENTOS EM TESTES PARA A AOA
Ainda não há medicamentos e terapias aprovados pela FDA (Estados Unidos) e pela ANVISA (Brasil) especificamente para curar ou modificar o curso das AOA, embora seja possível tratar sintomas (ver Seção 9. Tratamentos).
Comentários para a AOA1
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A disfunção mitocondrial causada pela AOA1 já foi tratada em um estudo de 2015 com um medicamento contra diabetes denominado Rosiglitazone [7]. Observar que o estudo aqui citado não foi um ensaio clínico com pacientes humanos, e sim de um estudo realizado em células.
Comentários para a AOA2
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Drogas para melhorar o processo de autofagia celular ou o processo de regulação de R-Loops são candidatas para novas terapias para a AOA2.
9. TRATAMENTOS
A ataxia AOA ainda não tem cura, mas é possível tratar seus sintomas visando melhor qualidade de vida e fornecer apoio contínuo ao paciente. É importante que os pacientes com qualquer subtipo de AOA sejam acompanhados por um neurologista e uma equipe médica multidisciplinar e especializada, com a inclusão gradual de novos profissionais de saúde na medida em que seja necessário em função dos sintomas (geneticista, neuro oftalmologista, fisioterapeuta neurofuncional, fisioterapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, nutricionista etc.),
Recomendações específicas para a AOA1
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Para prevenir complicações secundárias em pacientes com AOA1, recomenda-se uma dieta com nível elevado de proteínas para prevenir edemas, visando restaurar a concentração de albumina sérica, e ao mesmo tempo é indicada uma dieta de baixo colesterol [1].
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Como os níveis de coenzima Coq10 podem ser reduzidos nas células de alguns pacientes com AOA1 [3,6], o suplemento de coenzima Coq10 (devidamente prescrito pelo médico) pode ajudar no ganho de energia (alguns pacientes respodem de forma positiva) [6].
Recomendações específicas para a AOA2
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Uma dieta com baixo colesterol é recomendada para indivíduos com AOA2, e os níveis de colesterol nestes pacientes deve ser monitorado regularmente.
Seguem algumas recomendações genéricas para o manejo de sintomas nas AOAs em geral [1].
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O médico pode prescrever diferentes medicamentos para sintomas específicos.
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Exercícios e fisioterapia neurofuncional são recomendados para melhor coordenação motora, equilíbrio, força muscular e redução do risco de quedas.
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A fisioterapia ocupacional pode proporcionar ao paciente maior independência nas atividades diárias.
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Para as dificuldades de equilíbrio ao caminhar da ataxia, pode-se adotar bengalas, andadores ou cadeira de rodas, dependendo do estágio da doença. Modificações em casa são recomendadas (ex. barras de apoio nos banheiros).
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Convém controlar o peso para evitar dificuldades ainda maiores na mobilidade.
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Para a disartria, recomenda-se terapia especializada de fala (fonoaudiologia) e o uso de dispositivos de assistência para a comunicação (disponíveis para computador, iPad etc.).
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No caso de disfagia (dificuldades de deglutição), procurar o fonoaudiólogo para estratégias de manejo adequadas, visando a manutenção adequada da nutrição e hidratação do paciente, e reduzir o risco de engasgos e pneumonia aspiratória (que pode ser fatal).
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Se necessário, há medicações para o manejo da ansiedade, depressão e outros problemas mentais.
Nota! Alguns pacientes com ataxias cerebelares diversas relatam benefícios e melhoria de sintomas de ataxia após sessões de neuromodulação ou estimulação cerebelar não invasiva, por exemplo, a estimulação transcraniana por corrente contínua (tDCS), ou estimulação magnética transcraniana (TMS) com fisioterapeutas certificados. Observar que embora já esteja sendo comercializada esta terapia ainda não foi aprovada pela FDA nos Estados Unidos (ou pela ANVISA no Brasil) para tratamento de ataxias (ou seja, trata-se de tratamento experimental e sem garantias).
Veja informações sobre medicamentos.
Veja informações sobre tratamentos e cuidados para os pacientes.
Veja informações para quem tem diagnóstico recente.
Veja informações sobre Grupos de Suporte para pacientes e cuidadores.
10. REFERÊNCIAS
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Fonte:
Paula Coutinho, MD, PhD, Clara Barbot, MD, PhD, and Paula Coutinho, MD, PhD
Copyright © GeneReviews. GeneReviews ® is a registered trademark of the University of Washington, Seattle.
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Inglês
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Last Update: March 19, 2015.
Ref #2
Fonte:
MedlinePlus [Internet]. Bethesda (MD): National Library of Medicine (US)
An official website of the United States government
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Inglês
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NEUROMUSCULAR DISEASE CENTER (Alan Pestronk, MD)
Washington University, St. Louis, MO - USA
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Copyright © National Center for Advancing Translational Sciences - National Institutes of Health (NIH).
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Idioma:
Inglês
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May 21, 2021
Ref #7
Fonte:
Beatriz Garcia-Diaz et al
PubMed Central ® Hum Mol Genet. 2015 Aug 15 PMID: 25976310; PMCID: PMC4512623.
Idioma:
Inglês
Data:
Published online 2015 May 14
Ref #8
Fonte:
NAF Webinar presented by Dr. Brent Fogel
YouTube
Idioma:
Inglês
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Published online 2024 June 14
Ref #9
Fonte:
NAF (National Ataxia Foundation)
website
Idioma:
Inglês (a página pode ser traduzida para Português através do botão TRANSLATE)
Data:
2024
Ref #10
Fonte:
Maria-Ceu Moreira, MSc, PhD and Michel Koenig, MD, PhD.
Copyright © GeneReviews. GeneReviews ® is a registered trademark of the University of Washington, Seattle.
Idioma:
Inglês
Data:
Last Update: July 12, 2018
Ref #11
Fonte:
NEUROMUSCULAR DISEASE CENTER (Alan Pestronk, MD)
Washington University, St. Louis, MO - USA
Idioma:
Inglês
Data:
Last Updated: Please see https://neuromuscular.wustl.edu/rev.htm
Ref #12
Fonte:
Expert reviewer(s): Dr Perrine CHARLES
© Orphanet - The portal for rare diseases and orphan drugs (ORPHA:64753)
Idioma:
Inglês
Data:
Last Updated: Please see https://neuromuscular.wustl.edu/rev.htm
Ref #13
Fonte:
GARD - Genetic and Rare Diseases Information Center.
Copyright © National Center for Advancing Translational Sciences - National Institutes of Health (NIH).
Idioma:
Inglês
Data:
Last Updated: February 2025