Ataxia:
SCA27B (Ataxia Espinocerebelar Tipo 27B)
GENES RELACIONADOS:
FGF14
TIPO DE MUTAÇÃO:
FGF14 -> Expansão de repetição GAA (intrônica)
LOCALIZAÇÃO:
Cromossoma 13 (13q33.1)
HERANÇA:
Autossômica Dominante
ÚLTIMA ATUALIZAÇÃO:
18/04/2025 por Márcio Galvão
Conteúdo gerado com apoio de IA Generativa, revisado pelo autor.
Ficha SCA27B
1. SOBRE A SCA27B
A SCA27B (Ataxia Espinocerebelar Tipo 27B) é uma forma hereditária de ataxia identificada recentemente. Trata-se de uma doença neurodegenerativa de evolução lenta que afeta principalmente o cerebelo, levando a perda de coordenação motora (ataxia). Sua causa genética é uma mutação do tipo expansão trinucleotídica: um aumento anormal do número de repetições da sequência GAA no intron 1 do gene FGF14, situado no cromossomo 13 (13q33.1) [1]. Essa mutação foi descoberta em 2022 como responsável por diversos casos de ataxia antes sem diagnóstico genético definido [2].
Patogênese
A expansão intrônica provoca haploinsuficiência do gene FGF14 (perda parcial da função), reduzindo a quantidade ou função da proteína FGF14. A FGF14 é normalmente abundante no cerebelo e modula a excitabilidade das células de Purkinje (neurônios cerebelares responsáveis pelo controle motor), interagindo com canais de sódio nos neurônios [3]. Assim, a mutação leva a um mau funcionamento dessas vias cerebelares, originando o quadro clínico de ataxia. O canal de sódio afetado indiretamente na SCA27B é o Nav1.6, que é codificado pelo gene SCN8A.
Nota: O gene FGF14, cuja mutação por expansão GAA causa a SCA27B, não codifica um canal de sódio, mas sim a proteína FGF14, que modula a função e a expressão de canais de sódio dependentes de voltagem, especialmente o Nav1.6. O Nav1.6 (canal de sódio tipo 1.6) está altamente expresso nos neurônios do cerebelo, especialmente nas células de Purkinje, e é crucial para a disparo repetitivo e sustentado de potenciais de ação. A proteína FGF14 interage diretamente com o Nav1.6, modulando sua localização e funcionamento na membrana neuronal. Quando há haploinsuficiência de FGF14, como na SCA27B, essa interação é prejudicada, levando à disfunção na excitabilidade neuronal e nos circuitos cerebelares — o que explica a base fisiopatológica da ataxia [4]. Veja o diagrama a seguir.
Em pouco tempo desde sua identificação, a SCA27B mostrou-se uma das formas mais comuns de ataxia hereditária de início tardio (ILOCA), explicando uma porcentagem considerável de casos antes ditos idiopáticos (sem causa conhecida) [1].
A Figura 1 (gerada pelo autor com apoio de Inteligência Artificial) ilustra de forma simplificada a patogênese da SCA27B.

2. SINTOMAS TÍPICOS
Os sintomas da SCA27B envolvem principalmente disfunções cerebelares e podem variar de pessoa para pessoa, mesmo dentro de uma mesma família..
Os mais comuns incluem [3]:
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Ataxia de marcha: dificuldade de caminhar e manter o equilíbrio, resultando em passos cambaleantes e tropeços frequentes. Em praticamente todos os casos há ataxia de marcha progressiva (95–100% dos pacientes).
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Incoordenação de membros (ataxia de membros superiores): dificuldade em executar movimentos finos com as mãos e braços, afetando atividades como escrever ou pegar objetos (presente em cerca de 44–71% dos casos).
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Alterações na fala: disartria cerebelar, caracterizada por fala arrastada ou pausada, ocorre em muitos pacientes.
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Distúrbios oculares (oculomotores): movimentos anormais dos olhos, incluindo nistagmo (especialmente o nistagmo vertical “batente para baixo”, conhecido como downbeat nystagmus), e dificuldade de fixar o olhar. Sinais oculomotores cerebelares aparecem em até 80–96% dos pacientes, podendo incluir também sacadas oculares descoordenadas e nistagmo de olhar fixo. Muitos indivíduos relatam visão dupla (diplopia), visão borrada/oscilante (oscilopsia) ou sensação de visão trêmula associada a esses distúrbios oculares.
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Tontura e vertigem: a sensação de vertigem ou tonturas episódicas é comum, possivelmente relacionada a envolvimento vestibular.
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Tremor e espasmos musculares: alguns indivíduos apresentam tremor postural leve nas mãos. Casos isolados descreveram fenômenos como miotonia leve (dificuldade de relaxar músculos após contração) associada à SCA27B, mas não é um achado típico.
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Dificuldades de deglutição: em fases mais avançadas, pode ocorrer disfagia (dificuldade para engolir) em uma parcela menor de pacientes.
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Outros sintomas menos comuns: Em alguns casos observam-se sinais leves de neuropatia periférica (por exemplo, diminuição da sensibilidade vibratória nos pés), rigidez muscular leve ou espasticidade e sintomas autonômicos como urgência urinária.
Vale ressaltar que a função cognitiva geralmente está preservada na SCA27B – não é típica a presença de demência ou déficit intelectual significativo nessa condição.
Nota! A SCA27B pode se iniciar com episódios de ataxia - aproximadamente metade dos pacientes apresenta sintomas de forma episódica no início da doença – crises agudas de incoordenação que duram minutos a dias e depois se resolvem temporariamente. Esses episódios podem ser desencadeados por esforço físico intenso, ingestão de álcool ou cafeína. Com a progressão do tempo, as crises episódicas tendem a dar lugar a um padrão de ataxia contínua permanente [2, 3].
3. IDADE DOS SINTOMAS
A SCA27B é caracteristicamente uma ataxia de início tardio na vida adulta. Na maioria dos casos, os primeiros sintomas aparecem por volta da meia-idade ou após, com mediana de idade de início em torno de 60 anos [3]. Tipicamente os pacientes começam a manifestar ataxia entre a quinta e sétima décadas de vida (50–70 anos).
No entanto, há variabilidade considerável - já foram descritos casos raros começando tão cedo quanto aos 21–30 anos e, em contrapartida, alguns indivíduos assintomáticos até os 80–90 anos que só desenvolvem sintomas muito tarde [2, 3]. Mesmo dentro de uma mesma família, a idade de início e a apresentação clínica podem variar bastante. Em geral, uma vez iniciados, os sintomas progridem lentamente ao longo dos anos.
4. ANTECIPAÇÃO
Antecipação genética refere-se ao fenômeno em que a doença tende a manifestar-se mais cedo ou de forma mais grave em gerações sucessivas. Na SCA27B, por se tratar de uma mutação por expansão repetitiva, há instabilidade do número de repetições GAA de uma geração para a outra (instabilidade intergeracional) que pode levar a certa forma de antecipação, embora de maneira complexa.
Estudos mostram que as expansões GAA do FGF14 tendem a aumentar quando herdadas da mãe (expansão materna) e, inversamente, tendem a encolher (contrair) quando transmitidas pelo pai [3]. Isso significa que, se a mãe porta a mutação, os filhos têm chance de herdar um alelo com número ainda maior de repetições, potencialmente fazendo com que apresentem sintomas em idade mais jovem ou com maior gravidade (antecipação positiva). Por outro lado, nas transmissões paternas, o alelo expandido frequentemente retorna a um tamanho menor, podendo cair para a faixa de penetrância reduzida ou até normal. Nesses casos, o filho de um pai afetado pode manifestar sintomas mais leves ou até nenhum sintoma (o que aparenta um “salto” de geração, como ocorre nas ataxias com herança recessiva, embora a SCA27B tenha transmissão dominante).
Em resumo, há possibilidade de antecipação na SCA27B, porém não é uma regra absoluta – a gravidade e idade de início podem tanto aumentar quanto, ocasionalmente, regredir de uma geração para outra, dependendo da dinâmica das repetições durante a transmissão familiar.
5. HERANÇA
A SCA27B é uma doença com herança autossômica dominante. Isto significa que indivíduos de ambos os sexos têm a mesma probabilidade de herdar uma cópia (alelo) do gene com mutação e se tornarem portadores da mutação. Um filho de uma pessoa com SCA27B tem uma probabilidade de 50% de herdar uma cópia do gene alterado (considerando que apenas um dos pais é portador da mutação, ou seja, a mãe ou o pai biológico).
Observar que em alguns casos, a história familiar pode não ser evidente (casos esporádicos), seja por novos surgimentos da mutação ou pela penetrância incompleta (um dos pais tinha a mutação mas não manifestou sintomas significativos).
Como já mencionado, o gene envolvido é o FGF14 (fibroblast growth factor 14) – a mutação consiste em uma expansão anormal do trinucleotídeo GAA em heterozigose no intron 1 desse gene. Heterozigose significa que a segunda cópia do gene (herdada do outro genitor) geralmente é normal. Mutações pontuais convencionais no FGF14 também podem causar ataxia (que no caso é denominada SCA27A), porém essa é uma condição distinta com início mais precoce, separada da SCA27B pela classificação atual. No caso da SCA27B, trata-se especificamente da mutação por expansão GAA repetitiva.
Faixa de repetição GAA no gene FGF14 para diagnóstico:
O número de repetições GAA pode variar entre indivíduos, e determina se há ou não doença [3]:
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Faixa normal: de 6 até 249 repetições de GAA no gene FGF14 – essa faixa não causa ataxia.
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Faixa intermediária (penetrância reduzida): entre 250 e 300 repetições – alelos nesse intervalo podem ou não causar sintomas. Há penetrância incompleta: alguns indivíduos nessa faixa apresentam ataxia leve/tardia, enquanto outros permanecem assintomáticos.
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Faixa patogênica: acima de 300 repetições GAA – expansões maiores que ~300 trinucleotídeos causam a doença e estão presentes em praticamente todos os pacientes sintomáticos. Este é o limiar atualmente estabelecido para diagnóstico da SCA27B (a “mutação completa”).
Como já mencionado na seção 4. Antecipação, essas expansões podem sofrer alterações de tamanho quando passadas adiante, de uma geração para a próxima (dos pais para os filhos). É importante ressaltar que são as expansões GAA “puras” (sequência repetitiva contínua) que causam ataxia; se a repetição for interrompida por outras sequências (não GAA pura), aparentemente não resultam na doença mesmo que sejam repetições longas [3].
Muito raramente, pode ocorrer de um indivíduoherdar expansões em ambas as cópias do gene (situação de homozigose), ou seja, herdar um alelo com mutação do pai e outro da mãe, mas mesmo assim a SCA27B continua sendo considerada dominante, pois basta uma cópia mutada (na faixa patogênica) para causar os sintomas da ataxia.
Nota: "Autossômica" significa que o gene está localizado em qualquer cromossoma com exceção dos cromossomas sexuais X e Y. Os genes, assim como os cromossomas, normalmente existem em pares (temos um par de cada gene, uma cópia do gene é herdada da mãe, outra do pai). "Dominante" significa que apenas uma cópia do gene responsável (um alelo) herdada do pai ou da mãe é suficiente para transmitir uma característica física (como a presença de covinhas nas bochechas), ou uma doença genética (como as ataxia hereditárias) de uma geração (pais) para a seguinte (filhos).
Figura 2 - Fonte: MedlinePlus, U.S. National Library of Medicine.

6. PREVALÊNCIA
Como o gene cuja mutação causa a SCA27B só foi identificado em 2022, ainda se sabe pouco sobre este tipo de ataxia, ou sua prevalência ainda não é conhecida [2]. Ainda não há uma estimativa robusta em termos de número de casos por 100.000 habitantes exclusivamente para SCA27B.
A SCA27B é considerada rara, porém notavelmente frequente quando comparada a outras ataxias hereditárias, especialmente em populações ocidentais. Estudos iniciais sugerem que ela esteja entre as causas genéticas mais comuns de ataxia de início adulto. Acredita-se que a SCA27B tenha prevalência comparável ou talvez até maior que a da ataxia SCA3, que é considerada a ataxia espinocerebelar de maior prevalência (na média global) até então.
Os dados de prevalência variam conforme a região geográfica e população. Estudos sugerem que grupos de ascendência europeia parecem ter maior propensão a carregar alelos grandes de FGF14 que podem expandir para a faixa patogênica [1], enquanto em populações asiáticas a SCA27B aparenta ser bem menos comum (em um levantamento com 312 pacientes japoneses com ataxia de causa desconhecida, nenhum caso de SCA27B foi identificado). Há relatos de prevalência particularmente elevada em certas comunidades, como nos franco-canadenses (Canadá francês), onde a mutação foi encontrada com frequência notável [2].
7. INFORMAÇÕES ADICIONAIS
Diagnóstico
O diagnóstico da SCA25B pode ser confirmado com teste genético molecular para detectar expansão patogência de repetições GAA no gene FGF14, sendo recomendado sobretudo se já houver alguém na família com diagnóstico fechado (histórico familiar positivo para SCA27B).
Nota! A detecção da mutação SCA27B requer testes específicos de expansão de repetição. Métodos usuais de sequenciamento (painéis multigênicos, exoma, genoma por short-read) geralmente não identificam essa mutação, pois ela está em uma região intrônica do gene e envolve repetição longa. O diagnóstico é feito por técnicas como PCR de repetição-prime (RP-PCR) ou sequenciamento de longa leitura, capazes de evidenciar expansões GAA longas no gene FGF14 [3].
Muitos casos de ataxia que antes permaneciam “sem diagnóstico” (eram tratados como idiopáticos) foram elucidados após a introdução de testes específicos para SCA27B. Recomenda-se que indivíduos com ataxia cerebelar adulta de causa desconhecida sejam avaliados para para expansões em FGF14.
Relação entre a SCA27A e a SCA27B
Antes da descoberta da expansão GAA, já se sabia que mutações no gene FGF14 podiam causar ataxia. Mutações pontuais (missense, deleções) no gene FGF14 foram descritas em 2005 e inicialmente denominadas SCA27 (atualmente chamada SCA27A). A ataxia SCA27A apresenta um fenótipo um pouco diferente - costuma iniciar mais cedo (média de início na adolescência ou início da idade adulta), frequentemente primeiro manifestando tremor e depois ataxia. Já a SCA27B é causada não por mutações convencionais, mas pela expansão GAA repetitiva intrônica, manifestando-se tipicamente mais tarde (meia-idade/idosos) e frequentemente cursando com nistagmo downbeat e episódios ataxia. Ambas as condições envolvem o mesmo gene (FGF14) e têm herança dominante, mas são distinções genéticas importantes – por isso o sufixo “A” e “B”.
Achados de imagem
Exames de neuroimagem podem apoiar o diagnóstico da SCA27B. A ressonância magnética (RM) de crânio em muitos pacientes com SCA27B demonstra atrofia cerebelar discreta a moderada, mais proeminente no vermis (porção central do cerebelo). Essa atrofia, contudo, costuma ser leve nos estágios iniciais, podendo até estar ausente em alguns casos no começo. Com a evolução lenta da doença, pode-se observar progressivamente atrofia cerebelar global. Diferente de algumas outras ataxias dominantes, não é esperado acometimento marcante do tronco cerebral (como atrofia de ponte) nem lesões fora do cerebelo. Achados de imagem ajudam a descartar diagnósticos diferenciais adquiridos.
Diagnóstico diferencial para Ataxia Episódica
Pelo fato de muitos pacientes SCA27B terem episódios de ataxia no início, pode ocorrer confusão diagnóstica com ataxias episódicas primárias, como a EA2 (Ataxia Episódica Tipo 2, ligada ao gene CACNA1A). No entanto, a EA2 tipicamente inicia na infância ou adolescência, enquanto a SCA27B inicia mais tardiamente [3]. Além disso, na SCA27B os episódios podem evoluir para uma ataxia persistente crônica com o avançar da idade, ao passo que nas ataxias puramente episódicas o indivíduo é praticamente assintomático entre as crises por muitos anos. A presença de nistagmo downbeat e a história familiar dominante também orientam para SCA27B. Hoje sabe-se que alguns casos antes diagnosticados como “ataxia esporádica tardia” ou mesmo como possível EA de início adulto eram na verdade SCA27B quando testados geneticamente [1].
Importância do reconhecimento
Embora possa ser difícil, confirmar o diagnóstico da SCA27B tem implicações importantes. Por ser relativamente comum dentre as ataxias genéticas tardias, várias iniciativas estão em andamento para estudar melhor sua história natural e desenvolver tratamentos (ver seção 8. Terapias e Medicamentos). Além disso, o diagnóstico molecular permite aconselhamento genético adequado às famílias, distinguindo SCA27B de outras ataxias hereditárias e possibilitando previsão de risco para descendentes. Como a penetrância pode ser incompleta em alguns casos limítrofes, encontrar a expansão em um indivíduo assintomático (por exemplo, pai/mãe idoso de um paciente) não significa obrigatoriamente que ele desenvolverá ataxia, mas indica que pode transmiti-la a filhos. Assim, testes preditivos e aconselhamento genético devem ser oferecidos com acompanhamento especializado, dada a natureza peculiar dessa mutação repetitiva.
8. TERAPIAS E MEDICAMENTOS EM TESTES PARA ESTA ATAXIA
Até o momento, não há cura conhecida para SCA27B, mas várias abordagens terapêuticas estão sendo exploradas, tanto para alívio sintomático quanto em pesquisas visando tratamento modificador da doença.
Medicamentos
O medicamento 4-aminopiridina (4-AP) já disponível no mercado para outras condições neurológicas tem mostrado resultados promissores no controle de sintomas da SCA27B. Estudos e relatos iniciais indicam que a 4-aminopiridina pode reduzir a frequência e a severidade dos episódios de ataxia, além de melhorar sintomas contínuos de coordenação e especialmente ajudar no controle do nistagmo do tipo downbeat [3]. Aproximadamente metade dos pacientes apresenta diminuição das oscilações oculares e melhora na estabilidade postural ao usar 4-AP, de modo que esta é uma questão que deve ser discutida com o neurologista para avaliar benefícios e riscos de se tentar esta abordagem. Vale lembrar que a 4-AP deve ser utilizada sob orientação neurológica, monitorando efeitos colaterais (por exemplo, o risco de crise convulsiva em altas doses). Ver também [8] na seção 10. Referências.
Terapias genéticas direcionadas à expansão GAA
Dado que a mutação em SCA27B é semelhante em natureza à da Ataxia de Friedreich (que também envolve expansão GAA intrônica, embora em gene diferente e com herança recessiva), há interesse em terapias que atuem no mecanismo de silenciamento gênico causado pelas repetições. Uma estratégia em investigação é o uso de compostos que se ligam diretamente às sequências GAA expandidas no DNA, impedindo que formem estruturas anormais e restaurando a transcrição normal do gene [1]. Ainda não há resultados publicados de terapias genéticas para SCA27B, mas o avanço dessas pesquisas é encorajador.
Ensaios clínicos e pesquisas em andamento
Devido à alta prevalência relativa da SCA27B e à disponibilidade de pelo menos um tratamento sintomático potencial (4-AP), a comunidade científica tem priorizado esta doença em pesquisas recentes. Em 2023 foi lançado um consórcio internacional focado em SCA27B, endossado pela Ataxia Global Initiative (AGI), reunindo mais de 50 centros clínicos ao redor do mundo. Os objetivos incluem organizar registros de pacientes, padronizar biomarcadores e medidas de desfecho, e preparar o terreno para futuros ensaios clínicos. Até o momento, essa colaboração já identificou mais de 500 casos confirmados em 18 países e está delineando a história natural da doença [1]. Espera-se que em curto prazo sejam iniciados estudos clínicos formais.
Outras abordagens sintomáticas
Assim como em outras ataxias, estão sendo testados suplementos e drogas que possam melhorar a função cerebelar de modo geral. Aminopridinas análogas, como a 3,4-diaminopiridina, e medicações utilizadas em tremor e vertigem, podem ser avaliadas caso a caso. Alguns pacientes com SCA27B que apresentam sintomas episódicos tentam o uso de acetazolamida (fármaco utilizado na ataxia episódica tipo 2) com relatos anedóticos de benefício, embora evidências formais ainda faltem. Intervenções para manejo de espasticidade ou neuropatia (como baclofeno, gabapentina) podem ser empregadas conforme os sintomas presentes (ver seção 9. Tratamentos).
Em suma, o tratamento atual da SCA27B é principalmente sintomático e de reabilitação, mas há um forte empenho científico em desenvolvimento de terapias dirigidas. A 4-aminopiridina desponta como opção de melhora motora/ocular, enquanto futuros medicamentos voltados ao defeito genético estão em pesquisa. Pacientes com SCA27B (e também de outros tipos de ataxias!) devem ser encorajados a participar de registros e estudos clínicos, quando disponíveis, para contribuir no avanço de conhecimento e possivelmente ter acesso a terapias experimentais promissoras.
9. TRATAMENTOS
A ataxia SCA27B ainda não tem cura, mas é possível tratar sintomas visando melhor qualidade de vida e fornecer apoio contínuo ao paciente. É importante que os pacientes sejam acompanhados por um neurologista e uma equipe médica multidisciplinar e especializada, com a inclusão gradual de novos profissionais de saúde na medida em que seja necessário em função dos sintomas (geneticista, neuro oftalmologista, fisioterapeuta neurofuncional, fisioterapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, nutricionista etc.).
Seguem algumas recomendações gerais para o manejo de sintomas na SCA27B:
Fisioterapia neurológica
A fisioterapia neurológica é fundamental para ajudar o paciente com ataxia (seja a SCA27B ou outra) a manter a mobilidade e o equilíbrio pelo maior tempo possível. Exercícios de coordenação, fortalecimento muscular e treinamento de marcha devem ser iniciados precocemente. O fisioterapeuta pode orientar atividades físicas seguras que o próprio paciente possa realizar regularmente para conservar a função (como exercícios em casa adaptados). É importante também treinar estratégias de prevenção de quedas [3].
Terapia Ocupacional
O terapeuta ocupacional auxilia o paciente com ataxia a otimizar as atividades da vida diária (AVDs), sugerindo técnicas e ferramentas para contornar limitações motoras. Isso pode incluir utensílios adaptados (talheres e canetas especiais para mãos trêmulas), adaptações na casa (como elevadores de assento, barras de suporte nos banheiros etc.) e treino de atividades cotidianas de forma segura. O objetivo é preservar a autonomia nas tarefas pessoais, trabalho e lazer pelo máximo de tempo.
Fonoaudiologia
Muitos pacientes com SCA27B desenvolvem dificuldade na articulação da fala (disartria). A terapia fonoaudiológica pode melhorar a projeção vocal, a clareza da fala e ensinar técnicas para compensar a fala lenta, facilitando a comunicação. Em casos de disartria grave, o fonoaudiólogo pode introduzir métodos alternativos de comunicação (por exemplo, uso de pranchas de letras, aplicativos ou dispositivos de voz) [3]. Além disso, se houver disfagia (dificuldade de engolir), a fonoaudiologia orienta exercícios e manobras de deglutição para prevenir engasgos e aspiração. Ajustes na consistência dos alimentos e postura ao se alimentar podem ser recomendados para garantir nutrição segura.
Cuidados oftalmológicos
Dada a alta frequência de sintomas oculares nas ataxias espinocerebelares, é importante acompanhamento com oftalmologista ou neuro-oftalmologista. Para o nistagmo downbeat e outros distúrbios oculomotores, a 4-aminopiridina, em alguns casos, pode trazer melhora significativa [3]. Óculos especiais com prismas podem ser prescritos para aliviar a diplopia (visão dupla) posicionando as imagens de forma a reduzir a sobreposição. Adaptações como aumentar a iluminação (luzes de navegação noturnas, para ajudar a ir no banheiro por exemplo) e evitar leitura prolongada podem ajudar em caso de oscilopsia. Em geral, manejar os sintomas visuais melhora muito o equilíbrio e a qualidade de vida, já que a visão é parte importante da estabilidade postural.
Tratamento de tremor e espasticidade
Caso o paciente apresente tremores significativos que prejudiquem suas funções (por exemplo, tremor de braço impedindo alimentação), medicamentos utilizados para tremor essencial ou parkinsoniano (propranolol, primidona ou outros) podem ser considerados pelo médico, embora a eficácia possa variar. Em particular, a espasticidade (rigidez muscular) não é proeminente na SCA27B, mas se houver espasticidade dolorosa ou limitante, medidas de reabilitação como exercícios de alongamento são preferidas inicialmente [3]. Em casos raros de espasticidade intensa, baclofeno ou outros relaxantes musculares podem ser usados com cautela se o médico considerar apropriado. Muitos medicamentos podem causar sedação ou fraqueza, potencialmente aumentando o risco de quedas, portanto devem ser dosados cuidadosamente. A fisioterapia também pode ajudar no manejo da espasticidade através de técnicas de alongamento e fortalecimento equilibrado.
Manejo de sintomas autonômicos
Alguns pacientes com ataxia espinocerebelar reportam urgência urinária ou micção frequente. Nesses casos, uma avaliação com urologista ou neurologista pode ajudar a excluir outras causas e instituir tratamento sintomático (medicações anticolinérgicas ou beta-3 agonistas para bexiga hiperativa, por exemplo) [3]. Em alguns casos, a fisioterapia pélvica também pode ajudar. Disfunções sexuais, como disfunção erétil, também podem ser abordadas com tratamentos usuais e orientação especializada. O importante é reconhecer que tais sintomas podem fazer parte do quadro e têm tratamento. Alterações de pressão arterial postural (hipotensão ortostática) não são típicas da SCA27B, mas caso ocorram devem ser avaliadas pelo médico e tratadas (meias de compressão, hidratação, midodrina, etc.), pois quedas de pressão podem piorar a instabilidade.
Suporte nutricional
Recomenda-se manter uma dieta equilibrada. Em casos de dificuldade para mastigar/engolir, envolver um nutricionista para ajustar a dieta é importante, em sintonia com um profissional de fonoaudiologia. Evitar obesidade é recomendável, já que o excesso de peso sobrecarrega ainda mais a marcha e o equilíbrio. Por outro lado, a perda de peso excessiva por disfagia ou outras causas deve ser preveninda com suplementação nutricional adequada. O consumo de vitaminas antioxidantes e outras suplementações ainda não têm evidência sólida de benefício na SCA27B, mas garantir níveis adequados de vitamina D, B12 e outros nutrientes com orientação médica é parte dos cuidados gerais de pacientes com ataxias.
Apoio psicossocial
Viver com ataxia progressiva (de qualquer tipo) pode trazer impactos emocionais – ansiedade, depressão e isolamento social não são incomuns. Portanto, apoio psicológico ou terapia pode ser benéfico para ajudar o paciente a se ajustar às limitações e manter a motivação no tratamento. Grupos de suporte e associações de pacientes (como a Abahe) são extremamente válidos para troca de experiências e combate ao sentimento de estar sozinho na jornada. Assistentes sociais podem auxiliar a família a conseguir recursos, adaptações no domicílio ou acesso a reabilitação. É importante educar o paciente e cuidadores sobre a doença, incentivando uma postura proativa no tratamento. Se necessário, há medicações para o manejo da ansiedade e da depressão. Procurar o médico para avaliar as alternativas mais adequadas.
Recomendações adicionais
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Recomenda-se evitar álcool e esforços físicos extenuantes, pois podem precipitar ou piorar episódios de ataxia
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Ao evoluir dos sintomas, pode-se lançar mão de dispositivos auxiliares de marcha, como bengalas, bastões de apoio ou andadores, para aumentar a estabilidade.
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Pequenas adaptações domiciliares (instalação de barras de apoio em banheiros, remoção de tapetes soltos, uso de sapatos adequados) ajudam a prevenir acidentes.
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Descansar sempre que necessário, e é importante ter um sono noturno de boa qualidade. No caso de dificuldades para dormir, consultar o médico, pois há medicamentos que podem ajudar (por exemplo, óleo de Canabidiol).
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Manter uma alimentação saudável e com boa hidratação.
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Evitar (tanto quanto possível) o estresse, que em geral piora os sintomas da ataxia.
Nota! Alguns pacientes com ataxias cerebelares diversas relatam benefícios e melhoria de sintomas de ataxia após sessões de neuromodulação ou estimulação cerebelar não invasiva, por exemplo, a estimulação transcraniana por corrente contínua (tDCS), ou estimulação magnética transcraniana (TMS) com fisioterapeutas certificados. Observar que embora já esteja sendo comercializada esta terapia ainda não foi aprovada pela FDA nos Estados Unidos (ou pela ANVISA no Brasil) para tratamento de ataxias (ou seja, trata-se de tratamento experimental e sem garantias).
Veja informações sobre medicamentos para sintomas de ataxias.
Veja informações sobre tratamentos e cuidados para os pacientes.
Veja informações para quem tem diagnóstico recente.
Veja informações sobre Grupos de Suporte para pacientes e cuidadores.
10. REFERÊNCIAS
As referências abaixo englobam fontes acadêmicas e de organizações especializadas que embasaram as informações desta ficha técnica, incluindo artigos revisados por pares, repositórios genéticos – OMIM, resumos de literatura – GeneReviews, e materiais informativos de fundações de ataxia. Para mais informações, consulte a lista de Referências do ataxia.info.
Ref #1
Fonte:
David Pellerin et al
© Copyright PubMed Central
Idioma:
Inglês
Data:
2024 Jan 27
Ref #2
Fonte:
SCA27B sheet
© National Ataxia Foundation
Idioma:
Inglês
Data:
2024
Ref #3
Fonte:
David Pellerinet al
© Copyright GeneReviews
Idioma:
Inglês
Data:
January 25, 2024
Ref #4
Fonte:
Fernanda Laezza et al
© Copyright PubMed Central
Idioma:
Inglês
Data:
2009
Ref #5
Fonte:
OMIM® - An Online Catalog of Human Genes and Genetic Disorders.
Copyright © Johns Hopkins University.
Idioma:
Inglês
Data:
Edit History: carol : 04/02/2021
Ref #6
Fonte:
Presented by: Dr. Bernard Brais and Dr. David Pellerin
YouTube - Copyright © National Ataxia Foundation (NAF)
Idioma:
Inglês. É possível habilitar legendas e configurar tradução automática das legendas para português.
Data:
Nov 15, 2023
Ref #7
Fonte:
Presented by: Dr. Bernard Brais and Dr. David Pellerin
YouTube - Copyright © National Ataxia Foundation (NAF)
Idioma:
Inglês. É possível habilitar legendas e configurar tradução automática das legendas para português.
Data:
Dec 20, 2023
Ref #8
Fonte:
Carlo Wilke et al
PubMed - Brain. 2023 Oct 3;146(10):4144-4157. doi: 10.1093/brain/awad157. PMID: 37165652.
Idioma:
Inglês.
Data:
2023